quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Poesia à flor da pedra






Cida Almeida é formada em Comunicação Social (Jornalismo) e Direito pela Universidade Federal de Goiás. Descobriu a poesia ainda na adolescência, lendo um caderno de uma colega de escola e se deliciando com a palavra “lúgubre”, embora não entendesse seu significado. Mas foi no segundo grau, entre pepitas reagentes, lâminas de cebola ao microscópio, tabela periódica, físico-química e outras ciências do curso profissionalizante de Química que ela descobriu o verdadeiro incêndio de Alexandria, o universo fantástico da biblioteca. E, de cara, a estrela da vida inteira da poesia de Manuel Bandeira. Na Faculdade de Direito participou de um concurso de poesia organizado pelo Centro Acadêmico. Ficou em terceiro lugar, colocação que lhe valeu a publicação do poema em um livro artesanal e elogios do júri do concurso.
Cida, a exemplo de centenas de poetas nacionais, se aventurou pela internet para mostrar sua produção poética. A boa recepção do público, principalmente no site Overmundo (www.overmundo.com.br), deu-lhe o respaldo necessário para inscrever o livro Flor da Pedra na Lei de Incentivo à Cultura da Prefeitura de Goiânia. Selecionado, o livro foi lançado no dia 3 de dezembro na Fundação Jaime Câmara e depois de pré-lançamento em diversas escolas municipais de Goiânia.
Com passagem por jornais de Goiânia e Brasília – foi correspondente da Sucursal do Correio Brasiliense e de assessorias de imprensa de órgãos públicos –, atualmente trabalha na Assessoria de Imprensa da Secretaria de Ciência e Tecnologia e da Universidade Estadual de Goiás. Cida Almeida escreve sobre literatura para sites de cultura e para o portal da UEG, mantém os blogs Caixinha de Alfazema, Cartas do Paraíso e Diálogos da Esfinge, nos quais publica fotografias, crônicas, poesias e outras invencionices.

Como foi a sua descoberta da poesia, da literatura? Como se deu o seu encontro com a poesia?

Penso que sempre tive um senso poético da vida e das coisas. Um lado muito introspectivo, observador; uma angústia e perplexidade diante da vida e de mim mesma; uma necessidade muito grande de compreender, de dar expressão e materialidade a esses sentimentos e sensações. Também fui uma adolescente solitária e buscava refúgio nos pensamentos e nos livros – aquela fase em que a gente vive mais de imaginação do que de realidade. Cresci numa casa sem livros e não desperdiçava nenhuma oportunidade de leitura. Lia bulas de remédios; jornais velhos que embrulhavam as compras da feira, do açougue; até aqueles livrinhos de western, cheios de pitadas eróticas; tudo que me caía às mãos. Lembro que os primeiros poemas que li foram os de uma amiga (cujo nome nem me recordo), em um daqueles caderninhos que as meninas mantinham como segredos indevassáveis. O dela era só de poesias. Pedi emprestado, levei pra casa. Foi a primeira vez que ouvi e vi escrita a palavra “lúgubre”. Não entendia seu significado, mas achei-a linda. E assim, meio que de repente, comecei a escrever, tentando dar forma àquela vida imaginária de adolescente reprimida, que gostava de ficar no quarto, isolada, lendo e viajando nos pensamentos. O gosto pela leitura ficou cada vez mais aguçado durante o curso ginasial. Lia e escrevia as minhas bobagens. Um dia, sem mais nem quê, descobri que as minhas bobagens, como disse Quintana, tinham virado poesia. No meu caso, um obsessivo exercício de poesia. Isso durante toda a adolescência e juventude.


Naquele tempo você chegou a pensar na possibilidade de publicar o que escrevia?



Poucas vezes me atrevi a mostrar o que escrevia. Participei de um único concurso de poesia, do Centro Acadêmico da Faculdade de Direito, e fiquei com o terceiro lugar, que rendeu até a publicação em um livrinho bem artesanal e comentários elogiosos do professor Eurípedes Leôncio, que era da banca de examinadores. Mas lá pelos meus 25 anos, também sem mais nem quê, dei um basta. Parei de escrever. Na época já estava trabalhando como jornalista e terminando o curso de Direito.

Você tinha desistido da poesia?

Felizmente, apesar do meu descaso, a poesia não desistiu de mim. Em 2005, veio com tudo. Impôs-se como um desejo absoluto, com aquela força de verdade interior, como meu itinerário natural.


O poeta Lêdo Ivo disse uma vez que não teve influências, mas sim convivência. Quais foram as suas convivências ou influências marcantes?


Quem gosta de literatura, poesia, realmente convive com os autores. Em poesia, a grande convivência foi com Drummond, o primeiro poeta da minha alma. Eu lia Drummond como quem lê a Bíblia. Lia para apaziguar as minhas inquietações e angústias, em busca de sentidos mais profundos que os aspectos estéticos e estilísticos. Drummond abria as minhas portas secretas, cutucava as minhas feridas, me ensinava a mergulhar no poço escuro e voltar à tona, a ter coragem, a suportar a dor de existir. Com ele aprendi a conviver com a pedra e a desejar a flor. Lia e recitava Drummond, o meu anjo torto de todas as minguadas horas.


Drummond era absoluto ou você teve outras convivências?

Outra convivência, hoje mais absoluta que a de Drummond, é a de Manuel Bandeira, o Manuel de todas as deliciosas horas, com quem aprendo as sutilezas e delicadezas do fazer poético. Ultimamente, ando “bestando” com Bandeira, de pura admiração pela riqueza de sua poesia e de sua prosa. E o meu pintor de palavras foi Erico Verissimo. Seus livros ficaram gravados em mim como pinturas, quadros em movimento. Depois vieram Machado de Assis, Graciliano Ramos, Baudelaire, Clarice Lispector, Cecília Meireles, Adélia Prado, Guimarães Rosa, Florbela Espanca, José J. Veiga e recentemente Mário de Andrade, com quem aprendo que escrever é um soberbo tropeção.

Quais são seus propósitos poéticos e como você se relaciona com a poesia?

Fico feliz se com ela eu conseguir comunicar alguma coisa. Também não tenho propósitos poéticos. Apenas o de continuar escrevendo. E aqui repito Adélia Prado: fiz um livro, mas não quero perder a poesia. A poesia é o acontecimento mais importante da minha vida e eu a quero no emaranhado do cotidiano, me animando, me fortalecendo, me recriando, me contando coisas dos meus territórios sombrios, me desnudando, me fazendo mais inteira, me ajudando a decifrar os enigmas da minha existência e do convívio com o outro. Enfim, que a poesia seja sempre esse êxtase de revelação, o meu exercício de vida e morte, no claro e no escuro da existência, a minha carpintaria, a minha escultura, mesmo que volátil.

Ser poeta exige disciplina? Ou o “negócio” é esperar a inspiração e passá-la para o papel? Há quem diga que todo mundo pode escrever poesia e que a criatividade é comum em todo mundo, mas nem todos têm disciplina para desenvolvê-la, já que ela também é um processo cultural e necessita de treino, motivações e exercício diário...

Inspiração não é apenas aquela idéia luminosa que baixa no poeta e escorre para o papel por suas mãos. Há fases em que a gente fica desmotivada, inerte, sem qualquer energia para a poesia. E poesia exige libido em doses fartas, entrega, humildade, escuta, paciência.
Manuel Bandeira, que dava um valor danado à inspiração, tanto que chegou a ficar mais de ano sem escrever poesia por falta de inspiração, dizia que a poesia é feita de pequeninos nadas. E esses nadas são as palavras. Há também aquela passagem célebre entre Degas e Mallarmé em que o pintor dizia ao poeta que tinha muitas idéias para um poema, ao que o poeta retrucou ponderando que a poesia é feita com palavras e não com idéias.

Então é preciso, antes de cultivar idéias, cultivar palavras?

Temos de habitar o cativeiro das palavras. E cativeiro aqui no sentido de cativar e não de cárcere. Às vezes, vou para o computador com uma idéia e a coisa muda de rumo, porque a poesia é voluntariosa, tem vontades que o poeta desconhece, mas se esforça muito por conhecer. A disciplina é escrever, escrever, escrever. E escutar profundamente o que se escreve, ouvir o que a poesia nos conta e tentar dar a ela a beleza esculpida que exige. As delícias insondáveis do poeta são os altos e baixos dessa gangorra entre inspiração e transpiração, a obsessão do burilamento, da lapidação. Nenhum poeta se faz só com inspiração, assim como também não se faz só com esforço, método e disciplina para o trabalho.


Como poeta, qual é a sua perspectiva quanto à poesia?

A de que a poesia seja um acontecimento na vida das pessoas, que ganhe adeptos e que esses adeptos ajudem a formar leitores. A briga é desigual, titânica, pois vivemos numa cultura em que o audiovisual chega antes do livro. Os apelos são infinitos. A criança, quando vai para a escola a fim de ser alfabetizada, já recebeu uma carga extraordinária de estímulos e informações. Já interage com o computador, com aparelhos eletrônicos, manipulando melhor que os adultos botões e controles. E o livro, quando existe no ambiente familiar, é aquele estranho e distante objeto na estante, fora do alcance das crianças. Além disso, se o próprio professor não é leitor e muito menos um leitor de poesia, como é que poderá ajudar a formar público para a poesia? Aí, a poesia acaba mesmo virando aquela coisa para iniciados, com uma aura de chatice difícil de quebrar, com cada poeta no seu canto, fazendo a sua poesia para poucos, editando o seu livrinho de tiragem limitadíssima, sem esquema de distribuição, tudo muito solitário. Por isso, me anima muito ver o que a Elisa Lucinda faz com a poesia, dando a ela enredo, palco, holofotes. Levando a poesia como novidade para conferências empresariais, lonas de circo, teatros populares, salas de recitais; trazendo a poesia para o cotidiano das pessoas, dando a ela um referencial – o espelho transparente da poesia. E também atuando para formar multiplicadores nessa cruzada pela poesia.


Você apresenta várias razões pelas quais escreve. Você realmente acredita que a poesia torna a vida mais suportável ou isso é apenas um jogo de palavras no desvario poético?


Mais do que suportável, a arte, a poesia tornam a vida rica de sentidos, plena de revelações. Em Drummond, duas mãos e o sentimento do mundo. Quando leio meus poetas preferidos busco o aconchego ou a cutucada essencial das palavras para as minhas dores e desassossegos, desbravo mundos que me contam coisas sobre mim. Visito a aldeia de Caeiro e me torno mais calma; viajando pelos mares turbulentos de Álvaro de Campos, me desintegro; reencontro, profundamente, o meu avô no sertão de endoidecer de Guimarães Rosa, deixando-me arrebatar pela voz poeticamente universal de Riobaldo; cavalgo com Hugo de Carvalho Ramos; faço parte da platéia da arena de cavalinhos de Platiplanto; compartilho a intimidade dos quintais de Adélia; deixo-me seduzir pela escultura de cristal da poesia de Cecília e me perco nos labirintos de Clarice. Lembrando as palavras da minha amiga Maria Luiza Oswald: não se trata de aprender literatura e poesia, mas aprender com a literatura e a poesia.

A exemplo de muitos poetas atuais, você começou publicando na internet. Você acredita que a rede seja um bom termômetro para avaliar a possível receptividade do leitor do livro físico?

Não só um bom termômetro sobre a forma pela qual estamos atingindo o leitor. No meu caso, funcionou também e principalmente como sentinela da disciplina do ato de escrever com freqüência. A internet é um excelente começo para o exercício da exposição de quem escreve, já que escrevemos mesmo é para encontrar o outro. E no fundo, como dizia Mário de Andrade, tudo é vaidade, o sujeito publica por vaidade e também não publica por vaidade. Ao invés da vaidade medrosa, preferível a cara a tapa, com a exposição pública. Flor da Pedra é fruto da minha abertura com a internet. De outra forma, acho que nem teria acontecido. E na rede existem canais muito interessantes para quem escreve e quer encontrar a ressonância do olhar do outro. Tem muita coisa “nada a ver”. Mas tem muita gente interessante e com trabalho de alto nível, com a possibilidade de troca de experiências. Isso aconteceu comigo. Quando me atrevi na rede, tinha um foco e encontrei o que eu queria. Foi muito interessante, por exemplo, a experiência no Overmundo, pois tive a oportunidade de publicar no mundo virtual e também de conhecer a poesia de primeira grandeza que está sendo feita no País por jovens poetas – muitos dos quais ainda não publicaram em livro.

Como você avalia o papel da internet como vitrine que põe em evidência o que está acontecendo no mundo da poesia e da literatura em todo o mundo?

A internet é uma feira esfuziante, ruidosa, cheia de apelos e muito instrutiva para quem tem foco e sabe o que procura. Às vezes, até errando a gente encontra coisas interessantes. Na rede, por exemplo, tive o privilégio de ver o Mário de Andrade em um filme brevíssimo, durante uma inauguração, sempre observador e arredio. Um privilégio ter acesso a isso, com um click. Tenho pesquisado e, principalmente, lido muito na internet, especialmente poesia que ainda não foi publicada em livro. Se quero saber mais sobre Dylan Thomas, lá vou eu para os clicks. Entrevistas com autores a que jamais teria oportunidade de acesso no papel, muitas históricas, leio na rede. Por exemplo, encontrei na rede o último exemplar da revista Klaxon, edição em que Mário publicou o Noturno de Belo Horizonte. Também conheci novos poetas de várias regiões do Brasil, com trabalhos magníficos, como Renato Torres e Pedro Viana. São tantos, que nem dá para citar nomes. E, independentemente do livro, a internet é sim uma vitrine que não deve ser desprezada ou ter o seu potencial minimizado.


Há quem diga que somente poeta lê poeta e que é justamente por isso que poesia não vende no Brasil. O que você imagina que aconteceu com a poesia? Foi a banalização ou você atribui outra causa para que ela esteja fora do alcance do leitor?

Tudo tem a ver com público. Poesia não vende porque não há público para poesia. E não há público porque o contato com a poesia é tardio. Comigo só aconteceu no curso colegial. E, felizmente, eu tive alguns professores de literatura que conseguiram não só me apresentar a poesia, mas também, por algum desígnio misterioso, abrir o meu coração para a linguagem poética, mais do que a mente. Então, comecei a ler poesia com a emoção e não com a razão. Poesia deveria fazer parte do programa de formação de professores. E acho que essa missão não é apenas de responsabilidade dos professores de literatura. Se formos investigar profundamente o nosso gosto por literatura, por poesia, por arte em geral, vamos descobrir, lá no fundo, a figura de um professor. E, com certeza, um professor mais sensível e mais atento que os outros. Muitos vêm com essa influência de casa, da família. Mas a imensa maioria só tem oportunidade de conviver com a poesia na escola. E a poesia tinha que começar lá no jardim de infância, quando a criança está completamente disponível para o mundo e principalmente o mundo da palavra. E que esse convívio lúdico com a palavra começasse pelo encanto da poesia. Já imaginou que maravilha uma criança desvendando o mundo das palavras com Cecília Meireles?


Em Goiânia acontece um fenômeno curioso: encontram-se sempre as mesmas pessoas nos lançamentos dos livros de poesia ou mesmo de prosa. O que fazer para ampliar esse público? Qual é a dificuldade de absorção do público com relação à poesia contemporânea?

Se o público não vem, uma alternativa é ir ao público. É difícil para o próprio poeta sair do formato programado de lançamento de livro. Ali, naquele momento, ele é o que menos participa, menos interage. Tenho um amigo escritor que fez um lançamento com 700 pessoas e vendeu menos de 40 livros. Se a coisa é difícil para um autor de prosa, imagine para o poeta! Como meu primeiro livro foi editado com apoio da Lei de Incentivo à Cultura do Município de Goiânia, a minha contrapartida como forma de devolver o investimento ao público é levá-lo para as escolas. Além da doação de livros à biblioteca de várias escolas, para compor as salas de leitura, programei cinco lançamentos em escolas públicas da periferia de Goiânia, nas imediações do bairro onde cresci. E uma das escolas é aquela onde concluí o curso primário. Porém a dificuldade de absorção do público não é só em relação à poesia contemporânea, mas à poesia de modo geral e à arte como um todo. E isso é uma coisa de vivência, não se adquire simplesmente, do nada. Faz parte da formação cultural. O problema é que não temos boa formação.


Quem disse que o escritor só se torna escritor depois de publicado? Basta isso? O escritor se realiza mesmo sem o público? Qual sua expectativa em relação à receptividade do seu livro pelo público?


Mário de Andrade abordou essa questão de forma muito instigante. Ele era um inventor de teorias e uma delas é o que eu chamo de teoria amorosa do texto. Ele dizia que escrevia por amor à humanidade. É um belo e instigante motivo. E dizia também que a pessoa que escreve pra si mesma deve ser um monstro de vaidade. A gente escreve para o outro. Mas não é só isso. A gente escreve mesmo é para encontrar o outro, pois o que eu escrevo só terá função se de alguma forma o leitor se reconhecer naquilo. Aventurar-se no definitivo da materialidade da palavra impressa em livro é um passo gigante e irremediável. É a absoluta perda de controle. Gostei de uma imagem que o poeta Valdivino Braz usou um dia, numa conversa comigo, me aconselhando a liberar logo o livro para impressão: solta o livro-pássaro. O vôo independe de mim. A pedra fundamental de Drummond continuará desafiando, e a estrela de Bandeira luzindo no fim do dia, cada vez que alguém abrir um de seus livros. Enfim, continuará existindo enquanto houver leitor – o outro. Um livro só tem vida se aquecido pelo olhar do outro. Expectativa sobre receptividade ao meu livro? Não sei. Espero que ele pelo menos comunique alguma coisa.


O que você contabiliza mais em sua produção literária: o desgaste ou o prazer? Você acha que está conduzindo bem seus ideais?

Prazer. Sempre prazer. Escrevo por prazer e com prazer. Não sou masoquista. Dor e delícia, na escrita, têm o mesmo peso. Num dos poemas de Flor da Pedra falo justamente disso, fazendo uma viagem pelo universo de Manuel Bandeira, Vida Teodora ou Alegria de Manuel. Quando escrevo, por mais que o meu estado interior esteja às vezes tomado pela dor, é como se eu me benzesse com uns raminhos de alegria, que têm a força de dissolver as sombras, as tristezas. Quando eu e meus irmãos éramos crianças, minha mãe nos levava com freqüência à benzedeira, que pegava uns raminhos de arruda e balbuciava umas palavras. Aí, aqueles raminhos murchavam, e saíamos de lá apaziguados por aquele estranho ritual. Com a poesia é assim pra mim. Ela me benze, me purifica, me energiza, me apazigua, me transporta – tanto que chego a rezar poesia. Assim, tristeza é alegria quando vira poesia. É a alegria da criação. Ideais? Continuar humildemente servindo à poesia e me servindo dela para continuar vivendo.

Como é separar a jornalista da poeta? Dá para fazer poesia em horário de trabalho? Quando a inspiração vem e você está abarrotada de trabalho, o que pesa mais?

Acredito que a jornalista já está separada da poeta. E sempre encontro brechas para a poesia, que logo viram fendas, janelas, portas, horizonte. Ela acontece na dureza do cotidiano, como tem de ser. A minha única disciplina é escrever. Digo até que este meu livro é um livro de intervalos, escrito nas pausas da dureza do trabalho. Não sou aquela pessoa de escrever com horário marcado, numa sala silenciosa, sem vida, sem interrupções. Nesse aspecto, ser jornalista me ajudou a ter desprendimento e predisposição para a escrita nos ambientes mais inóspitos à primeira vista. Barulho exterior, tumulto, nada me afeta quando estou escrevendo, porque é puro êxtase. E não costumo desperdiçar inspiração. O poema Palavra de Mover Montanha foi feito sem anotação. Fiquei batucando ele na cabeça para não esquecer as partes-chave.



Por que o seu livro se chama Flor da Pedra?

Primeiro porque flor e pedra são os elementos que sobressaem em todos os poemas do livro, de uma forma ou de forma. É um título que se construiu e se ofereceu no atrito com a pedra em busca da flor. Flor da pedra também é a linguagem, o primeiro ato de identidade do homem, o elo de ligação com os outros homens. Tanto que não foi um homem qualquer o primeiro a rabiscar nas paredes da caverna, o primeiro que sentiu o impulso de dar materialidade e expressão à sua humanidade, a fazer esse processo de busca de transferência de sentidos. E também porque pedra é a matéria bruta da vida, que se oferece em toda sua integridade para a lapidação da poesia. E a flor, pelo que encerra de beleza, encantamento, forma perfeita, idealizada, é a poesia. A pedra é o que antecede e o que sobreviverá ao homem, seja como espécie ou como indivíduo, no incomensurável da lápide. Pedra também é aquele acontecimento fundamental narrado por Drummond e é sempre íntimo e pessoal. O enigma da convivência com a pedra, o enigma da criação poética, da capacidade e da necessidade do homem de fazer arte. E flor da pedra também é o livro, que abre portas para mundos misteriosos e insondáveis que construímos com palavras, com imaginação, que nos fazem aventurar fora da caverna.

Um comentário:

  1. Olá Tacilda, adicionei a meus favoritos o seu blog. Um espaço indispensável para a cultura.

    Para a Cida: mandei meus livros para vc, ainda não me respostou, recebeu-os?

    Abraços.

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