sábado, 27 de agosto de 2011

Poesia, um bom filme para o final de semana





Poesia, filme que ganhou o prêmio de melhor roteiro no festival de Cannes de 2011. Dirigido por dirigido por Lee Chang-dong o filme impressiona por ser simples, mas tratar com grande complexidade as relações humanas. O longa-metragem conta a história de Soon-Mi (Yoon Hee-jeong), uma senhora de 65 anos, moradora do subúrbio de Seul, que tem de conciliar o trabalho e a criação de um neto adolescente e problemático, que foi deixado pela mãe. Para ganhar a vida, Soon-Mi trabalha como doméstica e cuidadora de um idoso doente. Repentinamente, ela decide se matricular em um curso de poesia e é desafiada a escrever e ter um novo olhar sobre a vida, enquanto enfrenta uma realidade dura e a notícia de que está com mal de Alzheimer.

Por que ver? Pela delicadeza com a qual a personagem enfrenta o choque de realidade. Ao mesmo tempo em que a avó começa a se envolver com o mundo poético e parece querer distância dos problemas, ela é surpreendida pela notícia de que seu neto, junto com outros alunos, é acusado de ter violentado uma garota na escola, precisa arrumar dinheiro para uma indenização e conseguir apoio da filha ausente. A protagonistaé uma das atrizes mais famosas da Coreia do Sul.


Adele canta o amor incondicional




“21”, de Adele, é marcado por canções inspiradas em desilusões amorosas que retratam todas as fases do término de um relacionamento

Impossível falar da cantora britânica Adele (Adele Laurie Blue Adkins) sem citar Amy Winehouse. Elas têm muito em comum, a começar pelo fato de terem feito sucesso antes dos 21 anos, passando pelo forte talento vocal e a influência da música negra americana de décadas atrás. Ainda a se destacar o fato das músicas de ambas serem basicamente inspiradas nas desventuras amorosas das artistas, que expressam, em tom confessional, diferentes graus de dor de cotovelo, revelando personalidades fortes e agitadas.

Dúvida? Que tal ouvir “21”, multiplatinado álbum que Adele lançou no início do ano. Se em “19”, lançado quando a cantora tinha 19, a poderosa voz de Adele era a grande estrela em meio a um instrumental minimalista, em “21” a maior arma da cantora divide harmoniosamente o espaço com a produção de Rick Rubin que já assinou produções de trabalhos de artistas de todos os gêneros, de Johnny Cash a Metallica, passando por Beastie Boys e Rage Against The Machine. Rubin dividiu a produção com Paul Epworth, que já fez remixes para artistas como Florence, The Machine e U2. A evolução musical foi importante para salientar o novo caminho trilhado pela cantora.

O que se vê em “21” é que a produção de Paul Epworth e do mago Rick Rubin fez bem às novas músicas de Adele, que parecem mais bem resolvidas do que em seu álbum de estreia, com a artista assumindo com mais segurança o seu lado pop. Parece estranho, mas Rick Rubin fez com Adele o mesmo que fez pelo Linkin Park. A banda, que estava perdida e procurando por uma nova sonoridade, encontrou aquilo que sempre quis ser sob a produção de Rick Rubin, e foi isso que aconteceu com Adele. A cantora encontrou seu rumo e finalmente consegue colocar para fora todo o seu talento.

“21” — o título, como o do álbum anterior, revela a idade — também evidencia que a cantora gosta, tanto quanto Amy, da soul music americana dos anos 1960. Mas é um disco que soa bem menos retrô do que o “Back to Black” que consagrou Amy. A música de Adele parece carregar muito menos o peso dos próprios dramas do que a de Amy, embora Adele cante suas desilusões amorosas e confesse que algumas canções foram escritas depois de algumas doses de álcool, na esteira do fim de um relacionamento com um homem mais velho.

Resultado: “21” é um disco quase conceitual sobre as agruras de crescer e sobre os dolorosos pés na bunda que fazem parte do processo. As canções são entremeadas por refrões cantaroláveis que expõem sentimentos de negação do término da relação (“Rumour has it”), inconformismo (“He won’t go”), supressão do superego (na bela “Don’t you remember” ), onde ela pede ao namorado que se lembre dela mais uma vez e em “I’ll be waiting”, onde, sem orgulho nenhum, pede ao namorado que a deixe ficar mais uma noite. Até mesmo “Lovesong”, cover do The Cure executada em um clima de banquinho e violão, se encaixa perfeitamente no tema do álbum. Adele canta com intensidade tanto as canções mais balançadas (“Rumour Has It” e “I’ll Be Waiting”) quanto as mais dolentes (“Turning Tables” e “Don’t You Remember”).

Além do soul marcante de seu primeiro trabalho, em “21” Adele é claramente influenciada pelo country dos Estados Unidos, país onde foi recebida de braços abertos. Exemplo claro dessa mistura de influências é “Rolling in the deep”, o primeiro — e ótimo — single do disco. Segundo a crítica da revista “Billboard”, “Rolling in the deep” dificilmente será superada como a melhor música de 2011. A canção conta com dezenas de releituras na internet, gravadas por ilustres desconhecidos e até por gente já consagrada no métiers, como o americano John Legend.

“19” era um álbum encantador, é verdade, mas só tem duas músicas realmente memoráveis, “Chasing Pavements” e “Hometown Glory”. Já sobre “21” pode se dizer mais do que isso. Impossível ouvir só uma vez “Rolling In The Deep” (que a artista define como uma música “dark bluesy gospel disco tune”), “Turning Tables”, “Don’t You Remember” e “Lovesong”, o cover do The Cure. “21” é um álbum sobre amor incondicional. As pessoas podem ficar para trás, assim como as histórias, mas as sensações e lembranças permanecem — nem que seja apenas no eco da voz de uma grande artista.


segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Mike Myers decreta a volta de Austin Powers



O agente secreto Austin Powers vai voltar! O ator Mike Myers, que criou e interpretou o personagem em três longas, assinou contrato para filmar a quarta aventura do espião. Ainda não se sabe qual é a trama, mas um roteiro antigo centralizava a história em Dr. Evil, o vilão interpretado também por Myers, e seu filho, Seth Green. Já que assinou contrato, é bem provável que o roteiro já esteja pronto, ou pelo menos o esboço dele. O diretor Jay Roach, que dirigiu todas as três aventuras, pode retornar.

O personagem Austin Powers foi criado por Mike Myers para homenagear o espião 007. Como seu colega de espionagem britânica, Austin enfrenta o perigo sem medo e exerce um fascínio sobre as mulheres. Os cartazes e muitas fotos de divulgação dos filmes lembram os das aventuras de James Bond. O primeiro filme, Austin Powers – Um Agente Nada Discreto, de 1997, saiu diretamente em vídeo. Lembro que o aluguei em uma “finada” locadora perto de minha casa. Como sou fã de James Bond, a paródia me parecia interessante.

Na primeira aventura, Austin Powers vivia nos anos 60, na Inglaterra, no auge da psicodelia. Ele consegue derrotar o terrível Dr. Evil e se oferece para ser congelado, caso o vilão retorne. Obviamente, ele retorna e Austin é descongelado 30 anos depois. Com sua roupa e gírias divertidas, o espião percebe que muita coisa mudou no mundo durante o período em que esteve congelado. Mike Myers conseguiu criar um personagem adorável e engraçado, e o primeiro filme é divertido na medida certa.

Mesmo saindo diretamente em vídeo no Brasil, o filme fez sucesso em outras partes do mundo e então veio a segunda aventura, com o título infame: Austin Powers – O Agente “Bond” Cama. Aí veio a consagração mundial. O longa estorou nas bilheterias e nas pistas de dança, já que Madonna cantava a animada música tema. Em O Agente “Bond” Cama, Austin Powers deveria impedir Dr. Evil, que planejava disparar um raio laser sobre a Terra. Mas o vilão havia roubado o “mojo” (espécie de hormônio sexual) do personagem, o enfraquecendo. O agente precisava então voltar ao passado para recuperá-la. Apesar do sucesso, esta segunda aventura já não tinha o frescor do primeiro longa.

Como o sucesso sempre leva a uma nova sequência, em 2002, chegou aos cinemas Austin Powers em O Homem do Membro de Ouro. Nesta nova aventura, Mike Myers tem a cantora Byoncé como interesse romântico e deve derrotar Goldmember. Mais uma vez, Dr. Evil se alia ao vilão para conquistar o mundo. Eles planejam sequestrar o pai de Austin Powers, interpretado por Michael Caine.

O terceiro não foi bem nas bilheterias. Isso explica porque só agora, quase 10 anos depois, é que Mike Myers decreta a volta do personagem.

Os vencedores de Gramado





Caio Blat e Lúcia Murat recebem Kikito pelo filme Uma Longa Viagem (Gabriela Di Bella/PressPhoto)




Achei interessante postar a lista dos vencedores do festival de Gramado. Como não conheço os filmes que estavam em competição, não há o que se comentar sobre a premiação.



Longa-metragem Nacional
Melhor filme em longa-metragem brasileiro: Uma Longa Viagem, de Lucia Murat
Melhor montagem: Leonardo Sette, por As Hiper Mulheres.
Melhor fotografia: Roberto Henkin, por O Carteiro.
Melhor roteiro: Gustavo Pizzi e Karine Teles, por Riscado.
Melhor atriz: Karine Teles por Riscado.
Melhor ator: Caio Blat, por Uma Longa Viagem.
Melhor diretor: Gustavo Pizzi, por Riscado.
Especial do júri: As Hiper Mulheres, de Leonardo Sette, Carlos Fausto e Takumã Kuikuro.

Longa-metragem Estrangeiro
Melhor fotografia: Serguei Saldivar Tanaka, por La lección de Pintura.
Melhor roteiro: Sebastián Hiriart, por A Tiro de Piedra.
Melhor atriz: Margarida Rosa de Francisco, por García.
Melhor ator: Gabino Rodríguez, por A Tiro de Piedra.
Melhor diretor: Gustavo Taretto, por Medianeiras, e Sebastián Hiriart, por A Tiro de Piedra.
Especial do júri: Las Malas Intenciones, de Rosario Garcia-Montero.
Melhor filme longa-metragem estrangeiro: Medianeiras, de Gustavo Taretto.

Curta 35mm e Digital
Melhor filme: Carreto, de Claudio Marques e Marilia Hughes e Haruo Ohara, de Rodrigo Grota
Melhor montagem: Mair Tavares e Tina Saphira, por Um Outro Ensaio.
Melhor fotografia: Jacques Dequeker, por Polaroid Circus.
Melhor roteiro: Rodrigo John, por Céu, Inferno e Outras Partes do Corpo.
Melhor atriz: Dira Paes em Ribeirinhos do Asfalto.
Melhor ator: José Wilker em A Melhor Idade.
Especial do júri: Rivelino, de Marcos Fábio Katudjian.
Melhor diretor: Natara Ney por Um Outro Ensaio.
Melhor filme curta-metragem: Céu, Inferno e Outras Partes do Corpo, de Rodrigo John.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Melancolia exibe conflito existencial de proporções apocalípticas




Filme de Lars Von Trier é uma alegoria da inconformidade do homem com seu inescapável fim

“Melancolia”, filme em cartaz no Cine Lumiere, é apresentado como uma produção sobre o fim do mundo, tema recorrente do cinema mundial. O “mas” da questão é o fato de ser dirigido pelo dinamarquês Lars Von Trier. Isso faz toda a diferença. Claro que o filme tem efeitos especiais impactantes como a da colisão do planeta Melancolia com a Terra. Em sua essência, porém, o filme é um ensaio sobre a catastrófica condição do ser humano em entender sua própria finitude.
Quase obscurecido pela polêmica em torno do suposto nazismo de Lars Von Trier, que ele revelou na coletiva de imprensa do filme, quando de sua exibição no festival de Cannes do ano passado – o que provocou sua expulsão do evento –, Melancolia entra nos cinemas do Brasil em tempo recorde. O filme ainda vai estrear nos Estados Unidos em novembro e até mesmo na Europa só chegou a poucos países. Melhor para os cinéfilos brasileiros, que têm a chance de ver primeiro o excelente filme do diretor dinamarquês, que é um grande cineasta, independentemente de suas polêmicas declarações. E vale lembrar que o cineasta foi expulso de Cannes, mas a produção continuou na competição e acabou arrebatando o prêmio de melhor atriz, entregue a Kirsten Dunst, merecidamente. Não fosse o título de ”persona non grata” conquistado contra sua vontade, Von Trier teria provavelmente levado uma Palma de Ouro no festival francês.
Assim como em “Anticristo” (Antichrist, 2009), filme anterior do diretor, a sequência de abertura traz um prólogo impactante. Lars von Trier hipnotiza o espectador com cenas filmadas em câmera lentíssima, de estética visual de videoarte e trilha sonora feita de excertos do prelúdio da ópera “Tristão e Isolda”, de Wagner. Depois de mostrar a colisão de um planeta gigantesco contra a Terra, ao som de música ultrarromântica, o filme muda bruscamente de ritmo e o cineasta conta o que seriam os últimos dias do mundo através de duas irmãs, Justine e Claire, interpretadas pela americana Kirsten Dunst e pela francesa Charlotte Gainsbourg, vencedora em 2009 do prêmio de melhor atriz em Cannes por “Anticristo”.
Anunciado a princípio como uma versão para o cinema da peça As Criadas, de Jean Genet, Melancolia acabou mantendo da obra do escritor e dramaturgo francês apenas a estrutura calcada na relação de duas irmãs, o nome de uma das personagens (Claire) e o clima de tragédia iminente. Kirsten Dunst é Justine, uma publicitária que entra em crise no dia do casamento. A primeira cena é engraçada e mostra um motorista tentando manobrar uma limusine numa estrada estreita. Tudo é maravilhoso, mas Justine não consegue se entusiasmar. A cerimônia transforma-se numa comédia de erros com a noiva entrando em parafuso. A ilusão esmaece e o desastre se complementa com personagens problemáticos, típicos do universo de Von Trier – mãe niilista (Charlotte Rampling, sempre bem), pai ausente (John Hurt) e o chefe inescrupuloso da noiva (Stellan Skarsgård, pai de Alexander).
A festa de casamento é registrada por uma instável câmera no ombro, o que lembra outra produção dinamarquesa, “Festa de Família”, que Thomas Vinterberg (parceiro de Von Trier no manifesto Dogma 95) dirigiu em 1998. O clima de felicidade artificial, quase histérica, se dilui na medida em que a noiva vai mergulhando num estado de melancolia paralisante. “Quando tento caminhar, sinto um fio de lã, cinza e grosso, enrolado às minhas pernas”, ela confidencia.
A segunda parte da produção leva o nome da outra irmã, Claire. A ação se passa tempos depois do fracassado casamento no mesmo local onde aconteceu a festa: um luxuoso palacete à beira-mar. Ao lado do marido John (Kiefer Sutherland) e do filho, Claire espera a chegada de uma catatônica Justine – que nem consegue pegar um taxi sem a orientação da irmã - para juntos assistirem a passagem do planeta Melancolia, que está cada dia mais próximo da Terra. Justine serve como alter ego do cineasta. Vítima de uma depressão patológica, que o diretor já experimentou mais de uma vez, Justine não tem energia para caminhar, comer ou tomar banho e dá à Dunst a chance de brilhar como atriz.
Nesta segunda parte da produção, a ação se concentra na relação de Claire com a irmã, o marido e o filho. Melancolia, o planeta que no início era apenas uma estrela de brilho avermelhado, agora segue trajetória de colisão com a Terra. Claire teme, por ela e pelo filho, que as profecias pessimistas se concretizem e o fim do mundo esteja próximo. Seu marido, um astrônomo amador, garante que o planeta não está em rota de colisão com a Terra e tenta dissuadi-la ao colocar panos quentes na realidade. E acaba se revelando como um dos tipos hipócritas e covardes da obra de Trier. Claire, no entanto, não está tão segura disso, e se angustia cada vez mais com o possível desastre. Justine, ao contrário, vai saindo aos poucos da depressão profunda à medida que Melancolia está mais próximo. Diante da iminência da catástrofe, caberá à deprimida protagonista se revelar sábia e forte para lidar com a situação. É a única a perceber o inevitável: um dia todo mundo morre.
O mais instigante de Melancolia é a forma com que o cineasta revela as personalidades de suas protagonistas, que, segundo ele, podem ser vista com os dois lados da mesma pessoa. Na primeira parte do filme, dedicado à catatônica Justine, tudo é filmado em um tom amarelo quente. E quando coloca em cena o descontrole da aparentemente autoconfiante irmã mais velha, Von Trier usa o azul frio do que ele chama de a luz de Melancolia. Ela pode ser tanto o azul do ameaçador planeta como o da própria melancolia, já que blue, em inglês, significa tanto azul quanto triste.


Assalto ao Banco Central é uma grande roubada


A mais cinematográfica ação da história de assalto a banco do País ganha versão insignificante e sem emoção


Embora tenha construído minha carreira jornalística usando como matéria-prima o audiovisual, atuando por quase 30 anos como crítica de cinema, nunca gostei de novelas de TV. Admiro o padrão de qualidade global e acho que a TV tem uma linguagem muito especial e cativante, mas, acostumada a ver histórias que se desenrolam com começo, meio e fim em cerca de duas horas, nunca tive muita paciência para esperar o desenrolar das histórias dia após dias. Essa impaciência acabou fazendo com que eu implicasse um pouco com o cinema nacional que utiliza os atores de TV para protagonizarem suas histórias. Vendo os filmes nacionais (não todos, é claro), eu ficava sempre com a impressão de estar assistindo TV em uma tela grande.

Foi justamente essa impressão que tive assistindo “Assalto ao Banco Central”, dirigido por um dos mais bem-sucedidos diretores de televisão no Brasil, Marcos Paulo. Além de usar um elenco global, o diretor imprime características da TV à produção. E a primeira impressão que se tem é de estar assistindo um piloto de uma série policial de TV. O filme conta, com direito a elementos ficcionais, uma história real, que movimentou a cidade de Fortaleza em agosto de 2005. Numa ação por si só cinematográfica, bandidos levaram mais de R$ 160 milhões da filial cearense do Banco Central. Eles cavaram um túnel de 80 metros de extensão e 70 centímetros de largura para chegar ao caixa-forte do prédio. O circuito interno de TV não gravou nada. A edição mescla cenas da preparação com detalhes do que aconteceu depois, como a perseguição que sofreram por parte de um delegado da Polícia Federal e sua assistente, além da extorsão praticada por dois policiais corruptos.

Tinha tudo para ser um grande filme. A começar pelo currículo de seus realizadores e intérpretes. Renê Belmonte, o roteirista, por exemplo, é autor de várias comédias de sucesso (“Sexo, Amor e Traição”, “Se Eu Fosse Você 1 e 2”). Marcos Paulo dispensa comentários. Lima Duarte também, mas aqui merece. Primeiro Belmonte, que se arriscou ao afastar-se da realidade e optar pela criação de um enorme leque de personagens — influência, talvez da produção americana “Onze Homens e Um Segredo”. Resultado: não teve tempo de conferir personalidade a seus personagens, que acabaram sendo apresentados como meros esboços.

O chefe do bando é Barão (Milhem Cortaz, sempre um bom ator). Aqui ele aparece como um manda-chuva bem alinhado e com cara de mau. De origem rica, o bandido planeja e comanda a ação. Ele trabalha apenas como o cérebro do roubo e reúne os comparsas prometendo a cada um deles R$ 2 milhões. E como o roteirista mostra que ele é o cérebro da ação? Colocando para jogar xadrez sozinho. Muito pobre. Ao lado do Barão aparece Carla (Hermila Guedes, maravilhosa em “O Céu de Suely”), sua namorada, uma típica perua com ares de mulher fatal. Aqui ela parece uma atriz de novela da Globo. Mineiro (Eriberto Leão) é o bandido boa pinta que Barão procura para organizar o bando. Mineiro tem fama de trambiqueiro profissional e várias identidades. Difícil de acreditar, principalmente por conta do bom mocinho que o ator interpreta em “Insensato Coração”.

O destaque do elenco, se é que se pode chamar de destaque, é Tonico Pereira no papel de um engenheiro comunista, encarregado de supervisionar a construção do túnel a partir de uma empresa de fachada nas redondezas. Seu recrutamento é ideológico. Tonico rouba a cena sempre que aparece e o faz sendo o Tonico Pereira que a gente conhece e que o transformou em um dos melhores coadjuvante do cinema nacional.

Lima Duarte, um bom e respeitado ator, também é o Lima Duarte que a gente vê na novela das seis, das sete ou das oito. Ele tenta até ser engraçado interpretando um delegado da velha escola da polícia, mas acaba desperdiçando suas cenas porque parece estar atuando no piloto automático.

Giulia Gam, que na época das filmagens não escondia sua empolgação com o treinamento feito na Polícia Federal e com a consultoria da força policial nacional ao filme, deve ter se decepcionado. A começar pelo fato de sua relação amorosa com outra mulher, um tema que deveria ser melhor explorado, ter sido incluído de forma tão grosseira no filme. E a Vinícius de Oliveira, conhecido como o garotinho de “Central do Brasil”, coube o infame alívio cômico: ser um atrapalhado homossexual evangélico.

Não se pode culpar Marcos Paulo pela insignificância do filme. Afinal ele tem 30 anos de experiência na televisão, Marcos Paulo nunca tinha dirigido um filme antes. E deixa isso claro. Ele não deve ter assistindo nenhum filme de assalto a banco feito pelo cinema americano. Podia ter sido até “Trapaceiros”, de Woody Allen (em que o cineasta comanda um grupo de bandidos trapalhões que cavam um túnel para roubar um banco) ou quem sabe “Um Plano Perfeito”, estrelado por Clive Owen e Jodie Foster. Ele teria algumas dicas de como usar o humor em uma produção do gênero ou ainda como fazer um filme de ação e, ao mesmo tempo, explorar as características psicológicas dos personagens.

E a impressão que se tem ao ver “O Assalto do Banco Central” é de se estar diante de uma longa novela, infelizmente sem o padrão global de qualidade. Tudo deixa a desejar: o cenário, a trilha sonora e a narrativa não linear. E para piorar, “Assalto ao Banco Central” tem um final surrealista. O diretor não tinha, de fato, obrigação de ser fiel aos acontecimentos relacionados ao maior assalto da história do Brasil. Mas a sua versão, além de pobre, está longe de produzir bom entretenimento. O único mérito de “Assalto ao Banco Central” é despertar a curiosidade para o que, de fato, ocorreu. E para quem quiser matar essa curiosidade, a recomendação é o livro “Toupeira”, do ex-investigador da Polícia Civil de São Paulo, hoje advogado, Roger Franchini. A fonte para seus escritos são os autos do processo aberto em Fortaleza, os diferentes depoimentos e as informações que recolheu pessoalmente.

Entre a realidade e a ficção

O assalto ao Banco Central de Fortaleza é considerado o maior roubo a banco da história do Brasil. Os ladrões alugaram uma casa próxima à sede do BC na capital cearense e chegaram ao cofre por meio de um túnel. A estrutura contava com sistema de iluminação elétrica e até ventilação. Segundo a Polícia Federal, R$ 164,7 milhões foram roubados. Até hoje, foram recuperados cerca de R$ 50 milhões — R$ 30 milhões em bens. A primeira parte, 50 dias depois do crime, na casa de um dos suspeitos. A investigação levou à prisão de cerca de 120 pessoas, 37 envolvidas diretamente com o roubo. Um dos presos é Antonio Argeu, ex-prefeito de Boa Viagem, no interior cearense, acusado de financiar a execução do roubo com R$ 100 mil.

No filme, o espectador pode ver claramente que os ladrões embarcam em suas vans apenas algumas centenas de quilos de dinheiro, não toneladas. Entre as curiosidades da produção está o fato do túnel ser baixo, o que obriga os atores a se curvarem. No entanto, é alto o suficiente para que a câmera possa filmá-los. No filme os criminosos são apenas 13. Tirando os que apenas administram o processo ou cuidam de sua logística, é pouca gente para quase 80 metros de túnel. E finalmente a investigação é praticamente monopolizada pela Polícia Federal, concentrada praticamente nas mãos de dois investigadores: Chico Amorim (Lima Duarte) e Telma Monteiro (Giulia Gam).