segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

A dama de ouro do cinema




Filme: O Artista

Direção: Michel Hazanavicius (O Artista)

Ator Jean Dujardin (O Artista)

Atriz: Meryl Streep (A Dama de Ferro)

Ator coadjuvante: Christopher Plummer (Toda Forma de Amor)

Atriz coadjuvante: Octavia Spencer (Histórias Cruzadas)

Roteiro adaptado: Os Descendentes

Roteiro original: Meia-Noite em Paris

Filme em língua estrangeira: A Separação (Irã)

Animação: Rango

Maquiagem :A Dama de Ferro

Edição: Millennium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres

Trilha sonora O Artista

Direção de arte: A Invenção de Hugo Cabret

Fotografia A Invenção de Hugo Cabret

Figurino : O Artista

Canção original: Os Muppets

Edição de som: A Invenção de Hugo Cabret

Som: A Invenção de Hugo Cabret

Efeitos visuais: A Invenção de Hugo Cabret

Curta-metragem de animação: The Fantastic Flying Books of Mr. Morris Lessmore

Curta-metragem: The Shore

Documentário: Undefeated

Documentário em curta-metragem: Saving Face

domingo, 5 de fevereiro de 2012

O lado sombrio do ser humano



A mostra “O Amor, a Morte e As Paixões” que prossegue até quinta-feira, 9, nas salas do Cine Lumière não tem somente dois filmes franceses em sua programação. Mas duas produções despertaram minha curiosidade. Afinal não dá para ver todos os filmes em cartaz. A escolha do que ver veio do currículo dos cineastas. A falta de pudor de Bertrand Bonello em “O Pornógrafo” me levou a ver “L’Apollonide — Os Amores da Casa de Tolerância”, assim como a delicadeza de “Lírios D’Água”, em que Céline Sciamma explora o tema da sexualidade em adolescentes, me fez decidir por “Tomboy”. Difícil e imperfeito. Essa poderia ser a definição do filme de Bertrand Bonello. O filme de Céline Sciamma, por sua vez, é discreto, mas cheio de atitude e delicadeza.

Vamos por parte. “L’Apollonide — Os Amores da Casa de Tolerância” narra o dia a dia do decadente bordel L’Apollonide, frequentado por burgueses parisienses no início do século 20. Mas os burgueses estão longe de ser o foco da trama. A Bonello interessa pintar o retrato da árdua batalha cotidiana das prostitutas que vivem naquele casarão. O espectador vê as acompanhantes fazendo seus programas, discutindo entre si as relações com a clientela e procurando distração em ambiente movido a álcool e perversões. E haja perversões.

Afirmar que a Bonello interessa pintar o retrato da árdua batalha das prostitutas se justifica. O que mais chama a atenção do espectador (a partir do cartaz do filme) é a beleza plástica tanto da reconstituição de época quanto dos enquadramentos com os quais o realizador nos apresenta as suas mulheres. Parecem pinturas delicadas em seus tons sóbrios, detalhistas no exame de suas vaidades e inquietações. O olhar de cada garota tem uma tristeza comovente, acentuada por um conformismo daqueles que traz incômodo ao espectador. A fotografia do filme é linda, com um colorido que retrata perfeitamente as particularidades de cada personagem. Os quartos são repletos de tecidos e móveis de época. A reconstrução da casa de tolerância é impecável.

Se existe falha ela fica por conta da forma com que Bonello foca o mundo da prostituição. Parece chover no molhado colocar em cena uma cafetina que abriga as profissionais em troca delas trabalharem e pagarem suas dívidas, que acabam se acumulando devido à necessidade da compra de perfumes, cremes, sabonetes e ópio. As histórias das meninas também não apresentam novidade. Há aquela que sai do interior para tentar a vida na casa de tolerância, a de uma mulher apaixonada por seu cliente, e de uma mulher que carrega uma cicatriz no rosto feita por um cliente. As mulheres parecem bonecas, sempre arrumadas e maquiadas, usadas como brinquedos pelos homens, muitas vezes de forma perversa. Uma das vítimas da perversão masculina é Madeleine (Alice Barnole). Após ser amarrada na cama por um cliente, tem seus lábios cortados por uma navalha e fica com um sorriso que lembra o coringa de Jack Nicholson no filme da franquia “Batman”. Ninguém tem vida própria fora da casa. As garotas não têm permissão para sair e a câmera sempre fica com as garotas, do lado de dentro. Para as mulheres, a casa é uma prisão — um diálogo expõe a saída do casarão como um grande evento. Para os clientes, é o passe livre, a autorização para fazer o que quiser. O espectador nada fica sabendo sobre os homens quando eles deixam a mansão. Bertrand Bonello não julga suas prostitutas nem seus clientes. Não é paternalista nem autor de conto de fadas. Apenas um cronista do mundo das cortesãs.

Há que se destacar ainda a trilha sonora que aparece como um dos componentes mais importantes, senão o mais, para dar aura de modernidade ao filme. Usando uma combinação de estilos, Bonello coloca Mozart e Debussy ao lado de Lee Moses e o blues “She’s a Bad Girl”. A primeira vista parece estranho, mas funciona perfeitamente. Impossível não pensar em uma conexão emocional entre a música soul e a vida das garotas. E a música de Mozart na cena do Salon Bourgeois dá uma ideia de carga profunda, mas sem cair para uma atmosfera de romantismo. E a sequência final, que faz uma ponte com o exercício da profissão no presente, garante atualidade ao longa à medida que a regulamentação da prostituição é uma das questões da hora na França.

Uma curiosidade: existe luz elétrica no salão de L'Apollonide, mas nos quartos a iluminação é de velas. É, em parte, um recurso estético que define o visual do filme.

Um pequeno grande filme
"Tomboy”", a sexualidade na medida da delicadeza de Céline Sciamma




No ano passado a diretora e roteirista francesa Céline Sciamma saiu do Festival de Berlim com o prêmio Teddy, destinado às produções de temática homossexual pelo filme “Tomboy”. O fato poderia ter confinado o filme ao gueto das produções GLS, que ainda sofrem preconceito. Felizmente não é o que vem ocorrendo. Em todo o mundo, e não apenas na Alemanha ou na França, “Tomboy” vem seduzindo público e críticos.

A própria Céline afirma que, embora o tema da identidade sexual lhe seja caro, ela nunca viu o prêmio da Berlinale como uma coisa restritiva, e nem poderia. “Pedro Almodóvar recebeu este prêmio no começo da carreira. Se eu tiver 10% do respeito que ele usufrui hoje em dia, junto ao público e aos críticos, já estarei feliz.”

Com abordagem original e atuação sensacional da pequena protagonista Zoé Héran, Céline Sciamma supera os clichês usados em seu filme “Lírios d’Água”, de 2007, para contar a história de Laura, uma menina moleque (tradução literal do título do filme) de 10 anos que se muda com os pais (Mathieu Demy e Sophie Cattani) e a irmã caçula (Malonn Lévana, adorável) para um subúrbio de Paris. É verão, Laura só veste bermudão e regata. De cabelos curtinhos, acaba confundida pela vizinha Lisa (Jeanne Disson) com um menino. Apresenta-se, então, como Mickäel e, a partir daí, decide assumir a farsa para os demais amiguinhos. O mais interessante de “Tomboy” é a forma com que a cineasta testa o espectador ao introduzir a temática da sexualidade. A discrição e o cuidado são invejáveis. O roteiro constrói a personalidade de sua protagonista como uma pessoa já consciente de sua condição “diferenciada”, mas que jamais busca mudar ou moldar-se à estética padrão. A sociedade em que a história se insere garante a simplicidade da produção. A família de Laura a aceita como ela é. A deixa se vestir como deseja. E não a julga. A relação com os pais é carinhosa. Laura é uma criança que ainda gosta do colo do pai e da mãe e divide com a irmã menor as brincadeiras pertinentes a idade da caçula. É com a irmã - cúmplice que ela compartilha os momentos mais divertidos, em uma relação bonita e de grande química entre as talentosas Zoé Héran e Mallon Lévanna.

“Tomboy” é um longa ousado de temática importante, mas que aborda sem exageros ou dramatizações melodramáticas situações corriqueiras em filmes sobre o assunto, as quais não resistem à delicadeza da cineasta, que fala como poucos sobre sexualidade. A cena mais delicada é a que desvenda o sexo do “garoto”. Laura e a irmãzinha estão no banho. Tudo é feito com uma delicadeza e naturalidade surpreendentes. Nada é gratuito.

A força do filme está na primorosa interpretação de Zoé Héran. Ela é sensacional. Céline sabia que, se não encontrasse a intérprete certa, seria melhor desistir do projeto. Ela não queria transformar a personagem numa caricatura nem numa aberração. Zoé superou sua expectativa.