segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Um 'noir' com as cores de Almodóvar



A metalinguagem é o principal elemento de Abraços Partidos, o 17º filme da carreira do diretor e roteirista espanhol Pedro Almodóvar. Ele já tinha demonstrado o seu amor pelo cinema em produções como Má Educação e Fale com Ela e autorreferências em diversos outros filmes. Mas em Abraços Partidos Almodóvar vai mais longe e resolve levar essa metalinguagem ao extremo, realizando dois filmes ao mesmo tempo; uma comédia ( sua especialidade) e um filme noir, com todos os elementos imortalizados pelo gênero. O resultado fica acima da média porque, um Almodóvar, ainda que menor, é sempre um Almodóvar e não há como não respeitar a capacidade, talento e criatividade do espanhol.

No primeiro filme de Abraços Partidos, o espectador conhece um ex-cineasta e roteirista cego, Mateo Blanco (Lluís Homar). O ano é 2008. Desmotivado com a impossibilidade de exercer sua profissão por completo, ele prefere ser chamado de Harry Caine e não perde a chance de vender sua capacidade de escrever para diretores comerciais. Caine divide um pequeno apartamento com sua agente Judit Garcia (Blanca Portillo) e seu filho Diego (Tamar Novas), mas nada impede que eventualmente ele traga seus casos amorosos para casa. A visita de um jovem que se diz cineasta, no entanto, traz de volta a lembrança do grande amor de sua vida, uma bela e talentosa atriz, com quem viveu há 14 anos.

A jovem em questão é Lena ( ou Madalena),uma jovem que sempre sonhou em ser atriz mas que trabalhava como secretária do famoso empresário Ernesto Martel (José Luis Gomes) e que nos momentos de aperto financeiro, se transformava em uma garota de programa. Quando o pai da moça precisa ser tratado de um câncer, ela acaba se transformando em amante do patrão com quem vive durante dois anos. A coisa muda quando ela resolve fazer um teste para participar da primeira comédia de Mateo Blanco. Garotas e Malas a afasta do empresário e a leva para os braços de Blanco, em uma paixão tão tórrida quanto proibida.

O melhor do filme é certamente Almodóvar mostrando ao público como se faz um filme de Almodóvar, um filme de autor. O cineasta defende, como nenhum outro, o cinema autoral. A pré-produção, as filmagens e a pós-produção são mostradas como etapas que necessitam da participação direta do diretor da fita, pelo menos se o seu interesse é defender uma visão única de mundo ou de cinema. E Mateo Blanco faz questão de trabalhar intensamente. Garotas e Malas, o filme dentro do filme, é um Almodóvar à antiga: releitura kitsch de comédias de relacionamento e de melodramas hollywoodianos dos anos 50. Ao mesmo tempo Garotas e Malas se apresenta como uma releitura de Mulheres à Beira de Um Ataque de Nervos (1988), comédia que serve de contraponto, ajudando a ressaltar o drama vivido Mateo Blanco e Lena nos bastidores do filme.



O lado comédia de Abraços Partidas só ressalta a capacidade de Almodóvar em explorar esse gênero cinematográfico. Se o suspense do filme deixa a desejar, o lado comédia funcional perfeitamente. E a maior parte das risadas são resultado das participações especiais de atrizes que costumavam trabalhar com o diretor , entre elas Kiti Manver, Chus Lampreave e Rossi de Palma. Outro personagem com uma função cômica é Ray-X ou Ernesto Junior, o filho gay de Ernesto Martel que busca vingança contra o pai. Embora seu papel seja seja prejudicado pelo roteiro ao não lhe dar um final e um desenvolvimento apropriado, a atuação de Rubén Ochandiano compensa tudo, com os seus trejeitos femininos e personalidade psicopata.

Atuando em sua língua materna Penélope Cruz é o grande trunfo dos dois filmes. Se o filme fosse simplesmente ruim ainda assim valeria a pena pelas cenas em que Penélope Cruz aparace fazendo caras e bocas de Audrey Hepburn. Não há expressão de cinefilia mais pura e descomplicada do que o entrosamento entre diretor e atriz.

Não convém falar muito de Abraços Partidos, mas vale dizer que o filme se destaca em alguns aspectos, como o fato de ser um filme noir com as cores saturadas que tornam o cineasta uma referência e principalmente por mostrar Almodóvar apaixonado por suas comédias, pelo cinema e por Penélope Cruz e por sapatos vermelhos de salto alto.



FICHA TÉCNICA
Diretor: Pedro Almodóvar
Elenco: Penélope Cruz, Lluís Homar, Ángela Molina, Carmen Machi, Blanca Portillo, José Luis Gómez, Tamar Novas, Rubén Ochandiano.
Produção: Agustín Almodóvar
Roteiro: Pedro Almodóvar
Fotografia: Rodrigo Prieto
Trilha Sonora: Alberto Iglesias
Duração: 128 min.
Ano: 2009
País: Espanha
Gênero: Drama
Cor: Colorido
Distribuidora: Paramount Pictures Brasil
Estúdio: El Deseo S.A. / Universal International Pictures
Classificação: 14 anos

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

A melhor série de TV





Criminal Minds chegou ao seu seu 100º episódio. Uma marca sempre muito comemorada por todos os envolvidos na produção. Como era de se esperar, o episódio justifica o fato da série ter alcançado a 100 episódios e com certeza vem muito mais por aí. Hotch finalmente encontra George Foyet e não conto mais para não estragar a surpresa de quem não viu ainda. Só garanto que o episódio é eletrizante.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Para quem gosta de listas




Pensando no cinéfilo que adora listas, a editora Larousse lança o livro 501 Filmes que Merecem Ser Vistos, uma seleção do que há de melhor no cinema mundial. Uma obra que lista e comenta filmes na visão de seis conceituados críticos. Ann Lloyd, da Revista The Movie, Rob Hill expert em cinema que trabalha com pós-produção em uma das mais importantes companhias no Reino Unido, Ronald Bergan, crítico do jornal The Guardian, Chris Darke colaborador do The Independent, Cara Frost-Sharratt, crítica e escritora e Paulo Frost-Sharaat, especializado em resenhas críticas na internet assinam a publicação.


A obra revela ainda a evolução da carreira de diretores, atores roteiristas conquistas fantásticas no campos de efeitos especiais - antes e depois da imagem gerada por computador - extraordinárias experiências cinematográficas, comentários socais estreias e atuações memoráveis.

Os títulos selecionados pelos autores estão organizadas por gênero: aventura, ação e épicos, comédia, drama, terror, musical e romance, ficção científica e fantasia, mistério e suspense, guerra e faroeste. Em seguida o grupo de críticos faz uma análise da carreira do diretor, ator, enquadramento, entre outros minuciosos aspectos que fazem um filme entrar ou não para a história do cinema.

Cada obra inclui uma breve sinopse do enredo, ficha técnica com a lista completa do elenco, produção e direção, listas de indicações e premiações concedidas pela Academia de Artes e Ciência Cinematográficas de Hollywood, responsável pelo Oscar e principais festivais de cinema do mundo. Não poderiam faltar aquelas informações dos bastidores de uma filmagem que dão conta dos atritos entre atores e diretores, ajustes durante a captação de cenas e peripécias da equipe técnicas para conseguir produzir a imagem tal qual descrita no roteiro.

Nos textos, todos bem ilustrados, destaque para avaliação de A Um Passo da Eternidade, filme de Fred Zinnemann realizado nos Estados Unidos em 1953, com as estrelas Burt Lancaster e Deborah Kerr. Para Ronald Bergan. o filme, baseado no romance de 859 páginas de James Jones, que trata de assuntos controversos como prostituição adultério violência e alcoolismo tem realismo de documentário.


Ficha Técnica
Nome:501 filmes que merecem ser vistos
Autores
: Ann Lloyd, Rob Hill, Ronald Bergan, Chris Darke, Cara Frost-Sharrat e Paul Frost- Sharrat.
Editora:Larousse.
Páginas: 544 págs.
Preço sugerido: R$ 99.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Freud além da alma - Cult em DVD


Inédito em vídeo e DVD no Brasil, o clássico Freud, Além da Alma (Freud, EUA, 1962, 135min) finalmente chega ao mercado nacional em lançamento especial da distribuidora Versátil O filme do diretor John Huston (1906 – 1987) sobre o nascimento das pioneiras teorias de Sigmund Freud (1856 – 1939) foi editado em DVD duplo, incluindo um documentário sobre a passagem do pai da psicanálise pela Universidade de Viena.

A DVD traz ainda um depoimento nos extras do do psicanalista Renato Mezan que ajuda a contextualizar a importância das revolucionárias ideias de Freud e ressalta o interesse pela vida do médico austríaco avivado na época da filmagem pela publicação de obras como a reveladora correspondência com o médico alemão Wilhelm Fliess – amigo e colaborador com quem Freud dividia suas primeiras teses e intuições sobre a mente.


O primeiro roteiro do filme de John Huston foi assinado pelo filósofo e escritor francês Jean Paul Sartre em 1958. Ele entregou ao cineasta americano uma primeira versão infilmável – seriam necessárias mais de 12 horas para dar conta da história. Depois de uma segunda versão, igualmente longa e rejeitada, Huston dispensou Sartre, que exigiu a retirada de seu nome dos créditos. Mas no lançamento da Versátil, o nome do filósofo estpa listado ao lado doa outros roteiristas:Wolfgang Reinhardt e Charles Kaufman ( este último autor de Adaptação e Mais Estranho Que a Ficção.

O roteiro cobre o período da vida de Freud desde sua graduação em Medicina na Universidade de Viena até o desenvolvimento de suas primeiras teorias psicanalíticas, relacionando suas descobertas acerca do funcionamento do inconsciente humano às suas experiências pessoais. Ao tratar uma jovem histérica e sexualmente reprimida, Freud formula o conceito do Complexo de Édipo. Com ótimos diálogos e direção magistral de John Huston, Freud, Além da Alma é uma excelente introdução às idéias do criador da Psicanálise.

Interessante é a forma com que o filme mostra que a invenção da psicanálise não
foi apenas um embate com os pacientes, mas de Freud consigo mesmo. Não é que teve apenas de lutar contra resistências externas e internas para desenvolver suas ideias e chegar à verdade do inconsciente. Na verdade foi a neurose de Freud ( segundo o filme, é claro), que lhe deu elemtos para descobrir o mecanismo geral do psiquismo e o fator sexual inconsciente que está em sua base.

Na pele de Freud está o ator Montgomery Clift tem uma atuação que empresta humanidade a essa figura quase mítica. Homossexual não assumido, alcoólatra, viciado em pílulas desde que um acidente de carro desfigurou-lhe as feições, o atormentado astro encarna um Freud crispado, que oscila entre a autoconfiança e a dúvida enquanto avança e retrocede em suas teses sobre histeria, projeção psicanalítica, sexualidade infantil, interpretação dos sonhos e complexo de Édipo.

Filmado em preto e branco, Freud, Além da Alma foge bastante dos padrões das cinebiografias por não fixar-se na história do personagem, mas por acompanhar o início de sua carreira e a base da formulação de suas teorias, que acabaria gerando anos mais tarde, a própria psicanálise. A fotografia em preto-e-branco ajuda a ressaltar o clima onírico, referindo a acontecimentos que muitas vezes não se tem certeza se são reais ou frutos da mente do médico ou de seus pacientes. Algumas das cenas, as que recriam sonhos relatados por pacientes, chamam atenção esteticamente, reforçando o fato de tratar-se de uma produção caprichada.




Freud, Além da Alma (Freud: The Secret Passion

(Freud, EUA, 1962)
Produtora(s): Universal International Pictures
Diretor:
John Huston
Roteirista(s): Charles Kaufman, Wolfgang Reinhardt, Jean-Paul Sartre
Elenco: Montgomery Clift, Susannah York, Larry Parks, Susan Kohner, Eileen Herlie, Fernand Ledoux, David McCallum (2), Rosalie Crutchley, David Kossoff, Joseph Fürst, Alexander Mango, Leonard Sachs, Eric Portman, John Huston, Victor Beaumont.
Distribuição: Versátil
Preço sugerido: 70 reais ( em média)

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Um pouco de Beto Leão, o jornalista

Pouco a pouco, Goiás vai conquistando o espaço que lhe cabe no cenário cinematográfico nacional. Sem muita tradição na arte de fazer filmes, os goianos têm aperfeiçoado a cada dia as suas técnicas, idéias e narrativas audiovisuais, o que tem permitido uma maior visibilidade das produções goianas nos festivais nacionais e internacionais.

Em 1999, ano em que o FICA estreou no calendário dos grandes festivais internacionais, o cineasta João Batista de Andrade prefaciou meu livro Bennio - Da Cozinha para a Sala Escura, em que demonstrava seu “espanto com a absoluta ausência de um cinema goiano”. De acordo com o pensamento na época do então coordenador geral do Festival Internacional de Cinema e Video Ambiental, “nos últimos anos, lutando contra todas as regras e, mesmo, contra a má vontade dos que pensam controlar a cultura brasileira, o cinema brasileiro saiu do eixo Rio-São Paulo e mostrou que criatividade existe onde for possível exercitá-la. Nesses anos tenho visto, tanto no mercado quanto nos festivais nacionais e internacionais (com sucesso), filmes de Pernambuco, Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Minas, Paraná, Santa Catarina, Espírito Santo e tantos outros estados, onde, aliás, houve a preocupação de se criarem apoios locais. E nada de Goiás.”

Já naquele primeiro ano do FICA, em que participaram apenas cinco produções goianas, um convênio entre a Agepel (na época Fundação Cultural Pedro Ludovico) e a ABD-GO possibilitou a finalização de três curtas-metragens, em 16mm e 35mm - Santo Antônio dos Olhos d’Água, de Kim-Ir-Sen, Bubula, o Cara Vermelha, de Luiz Eduardo Jorge, e O Pescador de Cinema, de Angelo Lima -, dois dos quais participaram da mostra competitiva, sendo que um deles (Bubula, o Cara Vermelha), fez carreira nacional e internacional, ganhando diversos prêmios. Os dois últimos mais A Lenda da Árvore Sagrada, de Eládio Garcia Telles, prêmio de melhor produção goiana no 1º Fica, foram selecionados no 10º Festival Internacional de Curtas de São Paulo, e na Jornada Internacional de Cinema da Bahia.

Finalmente, o Brasil estava começando a conhecer um pouco do cinema goiano, já que a última aparição em festivais nacionais havia acontecido em 1978, quando José Petrillo saiu com o troféu Candango de melhor curta-metragem em 35mm com seu Cavalhadas de Pirenópolis. Passados esses oito anos desde a primeira edição do FICA, a realidade é bem outra para o audiovisual goiano. No próximo mês de julho, a IV MoVa Caparaó - Mostra de Vídeo Ambiental do Caparaó, festival capixaba que dedica todos os anos uma janela aos filmes premiados no FICA, apresenta em sua mostra competitiva nacional seis produções de Goiás, das treze produções selecionadas. São eles: Coque do Buriti, de Gel Messias; Flower Power, de Sérgio Valério, Lamento, de Kim-Ir-Sen Pires Leal; É da Raiz, de Ângelo Lima, e Minha Árvore, de Andréia Miklos Mocó.

Em maio último, o 4º Festival de Cinema de Maringá apresentou em sua mostra competitiva seis produções goianas: 14 Bis, de Guilherme Gardinni; A Resistência do Vinil, de Eduardo Castro; Coque do Buriti, de Gel Messias; É da Raiz, de Angelo Lima, Goiânia - Sinfonia da Metropóle, de Rodolfo Carvalhaes; O Filme que Nunca Existiu, de Sérgio Valério. Rapsódia do Absurdo, de Cláudia Nunes, participou do Cine PE 2007, em abril, e do 14º Festival de Cinema e Vídeo de Cuiabá, em maio.
As mostras e festivais, independentemente de se ganhar prêmios ou não, são muito importantes para qualquer cinematografia porque permite o contato do público com diferentes estéticas e linguagens. Na medida em que o cinema goiano está inserido nesse contexto, ele só tem a crescer, uma vez que recebe críticas de outros profissionais do meio e os realizadores podem comparar o que estão fazendo, tanto em termos de estruturação de roteiros quanto na própria estrutura narrativa, com outros filmes/vídeos do resto do país.

Com o advento do Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental, o Estado deu o pontapé inicial para tornar-se um pólo de exibição e de produção do cinema goiano. Em suas nove edições, o FICA vem estimulando os cineastas goianos a produzirem mais e melhor a cada ano, ainda que as produções locais, em sua maioria, careçam ainda de aperfeiçoamento técnico e artístico, principalmente no gênero ficção, mas também no documentário. O FICA tem demonstrado que o cinema perdeu a ingenuidade diante do grau de perigo que as agressões descontroladas do homem têm causado ao meio ambiente, principalmente no século passado, cujas conseqüências estamos vendo refletidas no atual milênio. Uma prova disso é que o tema das mudanças climáticas é o mote dominante na atual edição do festival, tanto nos filmes quanto no Fórum sobre o Clima, que trará a lume os impactos na biodiversidade e no meio ambiente do continente sul-americano, com particular ênfase no território brasileiro.

Nesse contexto, para que as produções goianas possam competir em pé de igualdade com os filmes ambientais nacionais e estrangeiros é necessário que os realizadores tenham pleno domínio das técnicas narrativas cinematográficas de uma maneira geral. A fim de fazerem filmes ambientais competitivos, os realizadores goianos têm de exercitar também a feitura de filmes ficcionais que dialoguem de forma intelegível com o público.

__________
(*) Beto Leão é jornalista, pesquisador de cinema e documentarista. Atual presidente da ABD-GO, escreveu os livros Bennio – Da Cozinha para a Sala Escura, O Cinema Ambiental no Brasil, Cinema de A a Z – Dicionário do Audiovisual em Goiás, Goiás no Século do Cinema (em parceria com Eduardo Benfica) e é um dos autores da Enciclopédia do Cinema Brasileiro.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Volta ao mundo em 32 curtas







Nostálgico ou irônico, Cada Um Com Seu Cinema explora o amor pela sétima arte em diferentes vertentes e culturas. Reunindo prestigiados diretores da atualidade, como Alejandro González Iñárritu, Walter Salles, Lars Von Trier, David Cronenberg, a cineastas alternativos de prestígio como Atom Egoyan, Wong Kar-Wai




Um passeio de 120 minutos pelo cinema mundial e uma pequena amostra de como cineastas conhecidos e admirados pelos cinéfilos de carteirinha gastaram os três minutos a que tinham direito para falar de sua paixão pelo cinema como arte e espaço físico onde se dá o encontro com o espectador. Essa pode ser uma breve descrição do conteúdo deste Cada Um Com Seu Cinema (Chacun Son Cinema), longa idealizado pelo presidente do Festival de Cannes, Gilles Jacob, para celebrar a 60ª edição do evento, no ano passado e que acaba de ganhar lançamento direto em DVD, sem passar pelo circuitão goianiense, em uma iniciativa da distribuidora Dreamland.

Reunindo prestigiados diretores da atualidade, como Alejandro González Iñárritu, Walter Salles, Lars Von Trier, David Cronenberg, a cineastas alternativos de prestígio como Atom Egoyan, Wong Kar-Wai e gente com passado de respeito como Michael Cimino, Manoel de Oliveira, Jane Campion, Abbas Kiarostami,Takeshi Kitano, Nanni Moretti, Roman Polanski, Ken Loach e Claude Lelouch, o filme é de fazer qualquer cinéfilo babar. A diversidade dos filmes prova que enquanto o entusiasmo pelo cinema é possivelmente universal, cada experiência cultural que advém dele – isso para não falar de cada espectador – é completamente única. O conjunto dos canônicos cineastas representa cinco continentes e 25 países.

O tom de nostalgia marca a maioria dos filmes, com seus realizadores focando suas histórias na decadência de algumas salas de cinema que eles freqüentavam na juventude. Outros preferem ressaltar o fato da experiência coletiva de estar no escuro de uma sala de cinema sendo substituída pela solitária experiência de ficar na frente do computador.

Só o prazer de saber que ninguém é gênio 100% do tempo já vale a experiência de ver o filme. Normal, considerando-se que como outros projetos coletivos – vide os recentes Crianças Invisíveis, Paris eu Te Amo e 11 de Setembro – também foram marcados por pequenas preciosidades misturadas a alguns momentos de pouca inspiração. Sem esquecer que a limitação de tempo em exíguos três minutos para passar o recado foi um desafio difícil de se lidar.


Zhang Yimou (Movie Night)

Bom mesmo é tentar adivinhar quem assina cada filmeto, já que o nome do diretor só aparece ao final de cada curta, com os devidos créditos. Confesso que sofri tentando descobrir quem tinha feito o que e sentindo orgulho de mim mesma por identificar alguns cineastas “de cara”.

Kiarostami integra o grupo de diretores que fala de sua paixão pelo cinema em uma sala escura, explorando o tom nostálgico nas referências aos grandes clássicos, aos grandes mestres, sem esquecer a decadência das salas “intimistas”. Ele emociona mostrando mulheres de diferentes idades que têm as mesmas reações ante a perspectiva trágica de Franco Zeffirelli em Romeu e Julieta (1968).

Diário de um espectador entrega a identidade de seu realizador ao apresentar do italiano Nanni Moretti lembrando, com bom humor momentos inusitados de sua vida de cinéfilo, como quando vibrou com Rocky Balboa ou tentou explicar ao filho de sete anos que os filmes dele não são parecidos com Matrix. Ele sabe que seu cinema não atende exatamente as demandas da sociedade, de seu filho, inclusive, mas não deixa de acreditar e apostar na heterogeneidade do cinema, dando a cada filme o seu espaço.

No quesito homenagens a grandes mestres, Fellini ganha duas lindas homenagens. A melhor delas é a de Theo Angelopoulos, que mostra o encontro de Jeanne Moreau com o fantasma de Marcelo Mastroianni, mas Andrei Konchalovski também emociona com a história de uma lanterninha que chora a cada sessão de Oito e Meio.

O francês Robert Bresson tem sua cota de homenagem. A primeira é assinada pelos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne – que já ganharam a Palma de Ouro duas vezes -, grandes discípulos do mestre francês. A segunda é de Hoa Hsiao Hsien, The Electric Princess House.

Cada Um Com Seu Cinema tem ainda alguns cineastas fazendo o que se esperava deles e por isso mesmo sendo facilmente reconhecíveis. O Primeiro Beijo, protagonizado por adolescentes, sugere que é na sala escura que acontece o primeiro beijo, momento de comunhão da realidade e ficção. Dá para imaginar quem assina? Gus Van Sant, é claro.

Tsai Ming Liang, realizador de It's a Dream, apresenta um trabalho bastante coerente com sua obra. O filme é igualmente nostálgico, ao lembrar dos filmes aos quais assistia em sua infância nos anos 70, na Malásia, e que tanto influenciaram as carreiras de outros cineastas asiáticos, como Wong Kar-wai, Chen Kaige, Zhang Yimou e Takeshi Kitano. Já Amos Gatai aborda a questão judaica tão explorada em sua filmografia e usa seu episódio como um instrumento ideológico e político. E Jane Campion é Jane Campion, com seu forçado simbolismo psicanalítico feminista, na estória de uma barata bailarina que é pisoteada num cinema.



Ken Loach (Happy Ending)

O brasileiro Walter Salles está entre os cineastas que buscaram a ambientação fora da sala de projeção, prestando um tributo a Cannes. Em frente a um cinema brasileiro que exibe Os Incompreendidos (Les 400 Coups, 1959), de François Truffaut, o brasileiro cria uma paralisante performance musical com seu filme A 8944 Km From Cannes, cujo tema é o próprio festival. O filme deixa a gente imaginando o trabalho que foi legendar a “embolada” dos artistas para o francês.

Em Anna, do mexicano Alejandro González Iñárritu, um belíssimo plano-seqüência enfatizando a emoção incontida de uma mulher cega “assistindo” O Desprezo, de Jean-Luc Godard. Roman Polanski faz piada com a história de um casal assistindo ao clássico pornô soft Emanuelle e fica incomodado pelos gemidos insistentes de um homem sentado logo atrás. O filme chama-se Cinéma Erotique.

O humor também marca o filme do quase centenário Manoel de Oliveira que, reinventando a História, mostra o encontro entre Krutchov (Michel Picolli) e o Papa João XXIII.

O sempre irreverente Lars Von Trier faz em seu filme o que todo cinéfilo gostaria de fazer com espectadores mal educados que vão para a sala escura para ficar de bate-papo ou com o celular ligado. E o que é melhor, o personagem pentelho do filme de Von Trier é um crítico de cinema.

Independentemente da nostalgia e da homenagem ao cinema, Cada Um Com Seu Cinema explora ainda os rumos do cinema diante das novas tecnologias. Atom Egoyan, por exemplo, aposta nas novas tecnologias como capacitadoras da continuidade do cinema. Em Artaud Double Bill, duas pessoas trocam mensagens de texto por celulares. Elas foram ver filmes diferentes e uma manda um vídeo do filme que está assistindo para a outra. Assim Egoyan prova que o cinema definitivamente atravessou a barreira da sala escura e estendeu sua difusão para outros formatos exibidores, com uma propagação bastante forte. E independente de onde é exibido, continua sendo capaz de emocionar.



Alejandro González Iñarritu (Anna)

O canadense David Cronenberg, por sua vez, usa No Suicídio do Último Judeu do Mundo no Último Cinema do Mundo para propor uma ficção sobre o futuro das salas de cinema. O filme tem uma única seqüência em close-up na qual um homem de meia-idade experimentando várias formas de se matar com uma pistola no banheiro de um cinema. Há uma narração em off, de dois repórteres numa transmissão em tempo real, relatando que se trata do último judeu da face da terra assim como da última sala de cinema, abandonada. Brincadeira ou crítica, Cronenberg questiona as possibilidades do cinema e a interferência da televisão em seu projeto. Atento para o direcionamento da tecnologia, ele acaba deixando em aberto o futuro do cinema, pois não há tempo para o desdobramento da sua história, narrada ao vivo.

E Ken Loach questiona se o cinema ainda é uma boa diversão. Em Final Feliz, os protagonistas, pai e filho, estão em uma fila da bilheteria, indecisos sobre a que filme assistir. A escolha é grande, afinal trata-se de um conjunto multiplex, com várias opções de sala, coisas da modernidade. Eles lêem em voz alta a programação, incomodando os demais indivíduos na fila. Filme de terror, de ação, aventura, trash, qual deles? Na boca do guichê, a bilheteira já sem paciência, o pai pergunta ao filho: e por que não vamos a uma partida de futebol? E saem felizes com a decisão tomada.

E finalmente Olivier Assayas abraça a contemporaneidade filmando sua história em digital e em uma sala de cinema em funcionamento.

O filme original, exibido em Cannes no ano passado, contava com mais três filmes que acabaram ficando de fora do DVD lançado pela Dreamland. Os filmes de Joel e Ethan Coen, Michael Cimino e David Lynch. O curta dos Coen, aparentemente realizado no set do oscarizado Onde os Fracos Não Têm Vez, Josh Brolin interpretava um caubói matuto indeciso diante de dois filmes num cinema poeirento. Já o de Cimino marcava a volta do diretor após 11 anos afastado do cinema. Já o curta de David Lynch, Absurda, é o retrato fiel de seu realizador, a começar pelo nome. Para quem se interessar, o curta-metragem de Lynch está disponível no site youtube.







FILMES PARTICIPANTES
Theo Angelopoulos (Trois minutes) - Olivier Assayas (Recrudescence) - Bille August (The Last Dating Show) - Jane Campion (The Lady Bug) - Youssef Chahine (47 ans après) - Chen Kaige (Zhanxiou Village) - Michael Cimino (No Translation Needed) - David Cronenberg (At the Suicide of the last Jew in the World, in the Last Cinema in the World) - Jean-Pierre e Luc Dardenne (Dans l´obscurité) - Manoel de Oliveira (Rencontre unique) - Raymond Depardon (Cinéma d´été) - Atom Egoyan (Artaud Double Bill) - Amos Gitai (Le Dibbouk de Haifa) - Hou Hsiao-hsien (The Electric Princess Picture House) - Alejandro González Iñarritu (Anna) - Aki Kaurismäki (Fonderie) - Abbas Kiarostami (Where is my Romeo?) - Takeshi Kitano (One Fine Day) - Andreï Konchalovsky (Dans le noir) - Claude Lelouch (Cinéma de boulevard) - Ken Loach (Happy Ending) - Nanni Moretti (Diario di uno spettattore) - Roman Polanski (Cinéma érotique) - Raoul Ruiz (Le Don) - Elia Suleiman (Irtebak) - Walter Salles (À 8.944 km de Cannes) - Tsai Ming-Liang (It´s a Dream) - Gus Van Sant (First Kiss) - Lars von Trier (Occupations) - Wim Wenders (War in Peace) - Wong Kar-Wai (I Travelled 9.000 km to Give it to You) - Zhang Yimou (Movie Night).

Poesia pra que te quero?













Sempre gostei de ler poesia. Exagero. Lembro-me mais ou menos da segunda fase do curso fundamental (era assim que se chamava no tempo em que fiz o antigo ginasial). Estava na sexta série quando descobri os versos de Cecília Meireles, por meio de meu professor de português: Paulo Afonso Carneiro. Aliás, foi com ele que descobri a literatura de uma forma geral. Já gostava de ler antes, mas não tinha muito método.

Um dia em uma aula de português, Paulo Afonso apresentou Cecília Meireles para a turma. Eu me apaixonei por ela. Queria ler todos os seus poemas e não me contentei com o Motivo, presente no meu livro de texto que integrava a grade curricular do curso.

A solução foi a biblioteca do Lyceu de Goiânia. Foi lá que passei muitas tardes (muitas vezes matando aula) lendo O Romanceiro da Inconfidência, Nunca Mais... E Poemas dos Poemas. Todo ano quando começava o período letivo, eu copiava o poema abaixo na primeira paina de meu caderno de português.



Retrato

Eu não tinha este rosto de hoje,

assim calmo, assim triste, assim magro,

nem estes olhos tão vazios,

nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,

Tão paradas e frias e mortas;

eu não tinha este coração

que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,

Tão simples tão certa tão fácil:

- Em que espelho ficou perdida

a minha face?.




Cecília Meireles sempre foi minha poeta predileta. Aguçou-me a fome por poesia. Fome que tentei saciar lendo Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Morais, Ferreira Gullar, Manuel Bandeira
Ana Cristina César foi a primeira poeta moderna a entrar na minha lista de prediletas. Seus versos me assustavam. Nunca tinha lido versos de uma artista que se revelasse tanto, que valorizasse como ela essa inquietude tão inerente, a quem busca na palavra esta tradução e verbalização do ser. Sobre ela, escreveu Cristina Mutarelli "Sua linguagem resiste a ondas e fórmulas fáceis. Ana queria a palavra depurada, decantava as coisas e, sabia, como Manuel Bandeira que extrair o sublime do cotidiano não é tarefa das mais fáceis”;. Seus últimos versos refletem bem a angústia que vivia: "Estou muito compenetrada de meu pânico/ lá dentro tomando medidas preventivas”;.
Lembra de Baudelaire, Ana C. pediu licença e fez esse poema.


Flores do mais

devagar escreva
uma primeira letra
escreva
nas imediações construídas
pelos furacões;
devagar meça
a primeira pássara
bisonha que
riscar
o pano de boca
aberto
sobre os vendavais;
devagar imponha
o pulso
que melhor
souber sangrar
sobre a faca
das marés;
devagar imprima
o primeiro
olhar
sobre o galope molhado
dos animais; devagar
peça mais
e mais e
mais.


Elisa Lucinda. Elisa Lucinda me ensinou, no palco, a gostar ainda mais de poesia, a parar de falar mal da rotina e fazer várias estréias de “;eu te amo”;. Se ler um poema de Elisa Lucinda já é uma experiência fantástica, o que dizer de ouvi-la interpretando seus poemas no palco. Recomendo para todos que gostam de poesia. E se não for possível, tente ouvi-la ainda que seja nos CDs que geralmente acompanham seus livros. Este aí é simplesmente belo:


Safena

Sabe o que é um coração
amar ao máximo de seu sangue?
Bater até o auge de seu baticum?
Não, você não sabe de jeito nenhum.
Agora chega.
Reforma no meu peito!
Pedreiros, pintores, raspadores de mágoas
aproximem-se!
Rolos, rolas, tinta, tijolo
comecem a obra!
Por favor, mestre de Horas
Tempo, meu fiel carpinteiro
comece você primeiro passando verniz nos móveis
e vamos tudo de novo do novo começo.

Iansã, Oxum, Afrodite, Vênus e Nossa Senhora
apertem os cintos
Adeus ao sinto muito do meu jeito
Pitos ventres pernas
aticem as velas
que lá vou de novo na solteirice
exposta ao mar da mulatice
à honra das novas uniões

Vassouras, rodos, águas, flanelas e cercas
Protejam as beiras
lustrem as superfícies
aspirem os tapetes
Vai começar o banquete
de amar de novo
Gatos, heróis, artistas, príncipes e foliões
Façam todos suas inscrições.
Sim. Vestirei vermelho carmim escarlate

O homem que hoje me amar
Encontrará outro lá dentro.
Pois que o mate.



Adélia Prado. Essa é hors-concours. Com ela descobri que a poesia não é feita só de encantamento, que a poesia pode e deve ser a meta do encontro entre leitor e poeta e que a riqueza maior da poesia está na simplicidade. Os textos de Adélia Prado são muito cuidados, mas claros e palpáveis. Como os deste poema:



Sedução

A poesia me pega com sua roda dentada,
me força a escutar imóvel
o seu discurso esdrúxulo.
Me abraça detrás do muro, levanta
a saia pra eu ver, amorosa e doida.
Acontece a má coisa, eu lhe digo,
também sou filho de Deus,
me deixa desesperar.
Ela responde passando
a língua quente em meu pescoço,
fala pau pra me acalmar,
fala pedra, geometria,
se descuida e fica meiga,
aproveito pra me safar.
Eu corro ela corre mais,
eu grito ela grita mais,
sete demônios mais forte.
Me pega a ponta do pé
e vem até na cabeça,
fazendo sulcos profundos.
É de ferro a roda dentada dela.



Quando comecei a estudar inglês, descobri Elizabeth Barret Browning e me apaixonei pela história dela com o marido Robert Browning, o poeta inglês cujo talento só foi reconhecido postumamente. Com eles redescobri que a arte tinha valor superior, como expressão mais pura da emoção humana, e de que a tarefa do artista é unir o ideal ao real.

Depois veio Emily Dickinson. Essa calou fundo. Se de Cecília Meireles me lembro sempre do poema Retrato e mais precisamente do verso “;(...) Em que espelho ficou perdida a minha face? (...)”;, de Dickinson ficaram no inconsciente os versos “;That it will never come again/is what make life so sweet (Que nunca mais vira de novo/ é o que torna a vida tão doce).

Muitos e muitos poetas passaram pela minha vida todos esses anos. Dylan Thomas, Yates, W. H. Auden, e.c. cummings (em minúsculas mesmo), Afonso Romano de Santana, Marina Colasanti, o contemporâneo Arnaldo Antunes...

Por tudo que a poesia já me proporcionou é difícil acreditar que Poesia não vende, como afirma Rodrigo Capella em seu mais recente livro. Difícil acreditar propriamente não. Difícil de me conformar com esse fato. Eu mesma, sempre apaixonada por poesia, comprei poucos livros –; de Cecília Meireles, Drummond, Adélia, todos de Elisa Lucinda, Dylan Thomas, Emily Dickinson, Auden. A maioria dos livros de poemas que li –; e copiei em cadernos e mais cadernos –; o fiz nas bibliotecas.

Hoje percorro páginas e mais páginas da Internet para reler meus poetas prediletos, descubro lançamentos como o de Alguns Poemas –;Emily Dickinson, com tradução de José Lira. Na Internet posso ler versos como esse de Ms. Dickinson.



If I can stop one heart from breaking,

I shall not live in vain;

If I can ease one life the aching,

Or cool one pain,

Or help one fainting robin

Unto his nest again,

I shall not live in vain



É verdade que poesia não vende. Mas é verdade também a afirmação de Aurélio Buarque de Holanda, que define poesia em seu dicionário como “;aquilo que há de comovente nas pessoas ou nas coisas”;.

O jornalismo me levou a entrevistar vários poetas ao longo dos anos. E pelas conversas, pude perceber que a grande maioria escreve poesia porque ela oferece a possibilidade de ir além de si mesmo. Ela prescinde de personagens. Para nós, leitores é a pausa para suspirar. Quando autor e leitor se encontram no texto, trata-se do instante mágico em que compartilham o sonho. Precisa mais?

Dylan Thomas, o poeta que foi homenageado por Bob Dylan (na escolha do nome artístico de um certo Robert Allen Zimmerman) é o autor de um dos meus poemas prediletos de todo os tempos. Eu o vi e ouvi pela primeira vez no filme Do you remember love (Para Lembrar Um Grande Amor), que Jeff Bleckner fez para TV americana em 1985. O filme tem Joanne Woodward como uma professora e poeta que dá aulas de literatura inglesa na universidade e se descobre vítima de Alzheimer. E quando vence um prêmio literário, já em estágio avançado da doença, escolhe o poema de Dylan Thomas para expressar seus sentimentos.O poema foi escrito em homenagem a seu pai, velho e cego, no leito de morte.

Quem assistiu Quatro Casamentos e Um Funeral certamente se lembra do personagem de Simon Callow, ótimo e culto ator, lendo no enterro de seu namorado o poema Funeral Blues na medida certa de emoção: “;He was my North, my South, my East and West,/ My working week and my sunday rest”; (leia tradução abaixo). Auden, como o personagem de Callow, era gay, mas seu poema foi decorado por amantes de qualquer opção sexual desde então.

Também foi Auden que deu um depoimento importante sobre poesia em um poema em que diz:


“Pois a poesia nada faz acontecer; sobrevive

No vale de sua criação onde jamais executivos

Quereriam brincar, e corre para o sul

De ranchos de isolamento e atarefada águas,

Rudes cidades nas quais acreditamos

e morremos; sobrevive

um jeito de acontecer, um estuário.”

Duelo de interpretações não deixa dúvida da grandeza do elenco




"A dúvida, ao contrário do que muitos pensam, pode ser um elo tão poderoso quanto a certeza"
(Padre Flynn )


Nem as indicações a cinco Oscars deste ano, os atores famosos no elenco - Philip Seymour Hoffman, Meryl Streep, Amy Adams e Viola Davis -, todos no páreo pelas estatuetas de ator e atriz, principais e coadjuvantes, fizeram com que os exibidores goianos se arriscassem a apresenta Dúvida (Doubt) no circuito comercial. O filme, que agora pode ser conferido em DVD lançado pela Miramax/Buena Vista Home é indispensável para os apreciadores do bom cinema.

A proução é uma daquelas de poucas referências que revelam gratas surpresas a cada minuto de sua duração e se não chegou ao circuito foi porque está longe de ser um daqueles badalados blockbusters de Hollywood.

As indicações ao prêmio da Academia, aliás, refletem o melhor dessa produção. A começar pelo esforço concentrado do elenco, que conta com Philip Seymour Hoffman, Meryl Streep, Amy Adams e Viola Davis.Outro aspecto que chama a atenção é o texto do roteirista e diretor John Patrick Shanley.Trata-se da adaptação da obra homônima de Shanley – Prêmio Pulitzer de Teatro de 2005 – que permaneceu durante um ano (525 apresentações) em cartaz na Broadway, tendo recebido quatro prêmios Tony.Shanley, 58 anos (18 sem dirigir um filme), já havia vencido o Pulitzer, em 2005, pela peça adaptada aos cinemas por ele mesmo, que usa elementos de sua infância para recriar a história do filme. E à parte algumas cenas em que há excesso da linguagem do teatro, Shanley realmente surpreende.

O ano é 1964 e o cenário é a escola St. Nicholas, no Bronx. O vibrante e carismático padre Flynn (Philip Seymour Hoffman), vem tentando acabar com os rígidos costumes da escola, que há muito são guardados e seguidos ferozmente pela irmã Aloysius Beauvier (Meryl Streep), a diretora com mãos de aço que acredita no poder do medo e da disciplina. Os ventos das mudanças políticas sopram pela comunidade e, de fato, a escola acaba de aceitar seu primeiro aluno negro, Donald Miller. Mas quando a irmã James (Amy Adams), uma freira inocente e esperançosa conta à irmã Aloysius sobre sua suspeita, induzida pela culpa, de que o padre Flynn está dando atenção exagerada a Donald, a irmã Aloysius se vê motivada a empreender uma cruzada para descobrir a verdade e banir o padre da escola. Agora, sem nenhuma prova ou evidência, exceto sua certeza moral, a irmã Aloysius trava uma batalha de determinação com o padre Flynn, uma batalha que ameaça dividir a Igreja e a escola com consequências devastadoras.
Sentindo-se pressionado, mas, sem ter aparentemente como se defender, o padre aproveita o sermão da missa do domingo seguinte para falar aos fiéis sobre o poder disseminador e maléfico do boato. É essa uma das seqüências mais bonitas do filme, da qual se serve Shanley para arejar sua narrativa com tomadas externas, ilustrativas da metáfora do travesseiro soltando penas de cima de um edifício, captadas pela fotografia, de belo efeito visual e funcionalidade dramática, de Roger Deakins, indicado ao Oscar por outro trabalho estupendo realizado em Foi Apenas Um Sonho, de Sam Mendes.

O melhor do filme é o duelo das interpretações propiciadas pelo elenco afiadíssimo, que sabe tirar proveito máximo não só da construção dramática do texto e da fina sutileza e precisão de seus diálogos. Meryl Streep justifica com sua irmã Aloysius Beauvier, as suas 15 indicações ao Osrcar em 30 anos de carreira. Com o corpo escondido pelo hábito religioso, Streep explora bem o jogo facial para dominar a cena do começo ao fim, quando demonstra como é espinhoso o exercício da autoridade para uma pessoa que acredita ser dona de todas as verdades. Philip S. Hoffman empresta à interpretação do padre Flynn postura de dignidade nos debates que trava com a irmã Aloysius. Mas o melhor mesmo está nas cenas em que profere, no altar, os sermões das missas dominicais.
E a grata surpresa do filme é Viola Davis, que interpreta a mãe do garoto supostamente molestado por padre Flynn. Ela dá extraordinária lição de interiorização de personagem na cena da discussão que mantém com a irmã Aloysius no pátio do colégio, coalhado de folhas secas que se desprendem das árvores durante o outono.

E há ainda a grande questão do filme: padre Flynn é culpado ou não? Não importa. O o que vale é o fato do filme colocar em questões de julgamento, religião, comportamento, enfim, uma infinidade de coisas que pertmite que o espectador fique horas a fio imaginando o que realmente teria acontecido, sem chegar a uma conclusão plausível. E como disse o próprio padre Flynn: "A dúvida, ao contrário do que muitos pensam, pode ser um elo tão poderoso quanto a certeza".






Ficha Técnica
Título Original: Doubt
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 104 minutos
Ano de Lançamento (EUA): 2008
Site Oficial: www.doubt-themovie.com
Estúdio: Scott Rudin Productions / Goodspeed Productions
Distribuição: Walt Disney Studios Motion Pictures / Miramax Films
Direção: John Patrick Shanley
Roteiro: John Patrick Shanley, baseado em peça teatral de John Patrick Shanley
Produção: Mark Roybal e Scott Rudin
Música: Howard Shore
Fotografia: Roger Deakins
Desenho de Produção: David Gropman
Direção de Arte: Peter Rogness
Figurino: Ann Roth
Edição: Dane Collier e Dylan Tichenor


Elenco
Meryl Streep (Irmã Aloysius Beauvier)
Philip Seymour Hoffman (Padre Brendan Flynn)
Amy Adams (Irmã James)
Viola Davis (Sra. Miller)
Alice Drummond (Irmã Veronica)
Audrie J. Neenan (Irmã Raymond)
Susan Blommaert (Sra. Carson)
Carrie Preston (Christine Hurley)
John Costelloe (Warren Hurley)
Lloyd Clay Brown (Jimmy Hurley)
Joseph Foster (Donald Miller)
Bridget Megan Clark (Noreen Horan)

quarta-feira, 17 de junho de 2009

A mágica por trás das câmeras






“Fazer um filme é como atravessar o velho oeste numa diligência. No começo você espera fazer uma viagem agradável. A partir de certo ponto você apenas reza para chegar vivo até o final."

(Ferrand, o diretor de Je Vous Presente Pamela
ou François Truffaut em A Noite Americana)




Descobri, há pouco mais de um mês que uma aula de semiótica e mais especialmente sobre as funções da linguagem pode ser divertida. Gostei principalmente da parte da aula que aborda a metalinguagem, um tipo de recurso usado por escritores, dramaturgos e diretores de cinema para falar da própria linguagem com que trabalham.

Considerando que o cinema é uma forma de linguagem e que esta é um meio sistemático de comunicação e que a crítica cinematográfica faz parte de minha vida profissional desde os anos 70, decidi investigar mais a fundo como a linguagem cinematográfica foi chamada para falar de si própria desde os primórdios do cinema, enfatizando o tratamento metalinguistico dado ao cinema, especialmente em produções que trabalham o filme dentro do filme.

A verdade é que o cinema é uma arte reflexiva desde as tomadas demonstrativas dos irmãos Lumière em uma convenção de fotógrafos de 1895. E analisando a filmografia mundial, é difícil dizer qual filme não faz referência ao próprio meio. Desde o início da indústria cinematográfica, os produtores e diretores viram no recurso da metalinguagem uma poderosa arma para fazer com que o público se identificasse com a história do filme e assim voltasse sua atenção para o cinema. O papel da metalinguagem no início do desenvolvimento foi importante para que o público, cada vez mais, pudesse se identificar com a linguagem e as técnicas cinematográficas utilizadas pelos cineastas. Em muitos filmes onde esse recurso era usado, o espectador tinha a sensação de estar participando da produção.

Thomas Edison, um dos precursores do cinema, foi quem oficializou a brincadeira. Em The Countryman and Cinematograph (1901) de Robert W. Paul, cineasta da companhia de Edison, usou a metalinguagem para retratar o fascínio da platéia pelo cinema, que estava apenas "engatinhando" na época. A cena do filme: um homem está diante de uma tela de cinema. Nela surge a imagem de um trem vindo em sua direção, o homem se desespera com a cena e sai correndo. Com essa sequência, Paul fez referência a um dos primeiros filmes exibidos no cinema, A Chegada do Trem na Estação (1895), dos irmãos Lumière, e à reação da platéia que assistia ao filme naquela época.

Those Awful Hats, que D.W. Griffith realizou em 1909, com seu traço de crônica do cotidiano acompanha os transtornos que as senhoras e seus gigantescos chapéus causavam aos demais espectadores, em uma sessão de cinema. Além da querela entre os espectadores, podemos também acompanhar o filme que passa na tela do cinema/personagem, que é um filme de argumento do próprio Griffith, realizado no ano anterior. O ritual do espetáculo cinematográfico está em evidência e é sobre ele que o filme constrói seu fascínio. Mais recentemente tivemos Trovão Tropical, produção que coloca em cena os bastidores de um filme de guerra onde absolutamente tudo dá errado e os atores começam a adquirir a personalidade dos personagens que interpretam.

Com a chegada da televisão, nos anos 50, o cinema começou a utilizar a metalinguagem para fazer uma revisão de sua história e até uma auto-crítica em relação ao seu passado. Através de filmes como Crepúsculo dos Deuses (1950), de Billy Wilder e Assim Estava Escrito (1952), de Vincent Minnelli, os bastidores da indústria cinematográfica e os seus realizadores se tornaram o alvo das críticas ferinas dos cineastas.

Dos filmes metalinguísticos que fazem uma reflexão sobre o cinema, o meu predileto é A Noite Americana, de François Truffaut. Oscar de melhor filme estrangeiro de 1974, A Noite Americana é apaixonante principalmente porque nele a metalinguagem não é usada apenas como um recurso temático envolvendo o cinema. Aqui, o filme dentro do filme serve apenas como uma espécie de pano de fundo para que Truffaut possa evidenciar os principais problemas de um diretor em uma produção e, por isso mesmo, pode ser visto tanto como ficção como documentário. O próprio François Truffaut interpreta um diretor de cinema, Ferrand, que dirige um filme intitulado Je Vous Presente Pamela (Eu lhe apresento Pamela), que conta a história de uma jovem inglesa que se apaixona pelo sogro e foge com ele.

A metalinguagem está presente sob diferentes aspectos no filme de Truffaut. Em alguns momentos do filme o espectador não sabe se está diante de uma cena do filme ou do filme dentro do filme. Confusão esta que só é sanada por uma mudança de câmera. A primeira cena da produção, por exemplo, mostra uma rua movimentada. A câmera focaliza um homem que se desloca da direita para a esquerda e depois outro que se move da esquerda para a direita. Quando os dois se encontram, um dá uma bofetada na cara do outro e ouve-se em off: “Corta”. A câmera pára de focalizar os dois homens e mostra o diretor. Só então o espectador percebe que a cena inicial não era a do filme A Noite Americana, mas sim de um filme dentro do filme. Enquanto o assistente de direção dá as ordens para regravar a mesma cena, o espectador vê todo o set de gravação e o diretor, instruindo os atores na cena do tapa. Em seguida, a mesma cena é mostrada, mas agora o destaque fica para uma voz em off que comanda os atores: “Continue andando, mulher com o cachorro”, “Ande mais rápido, Alphonse”.

O fato de o próprio Truffaut estar interpretando o diretor tem sua representação metalinguística. O diretor, que passou da crítica cinematográfica dos Cahiers du Cinema para a cadeira mis importante do set, tinha seu próprio estilo de dirigir e eram suas características que ele queria que o diretor de Je Vous Presente Pamela tivesse. A única caraterística que difere Ferrand – personagem fictício – de Truffaut é o aparelho de surdez que para Truffaut simbolizava a importância da comunicação oral e da relação fundamental com a linguagem que um diretor deve ter.

Outra questão interessante de A Noite Americana é a forma com que a produção oferece ao público os bastidores da filmagem de Je Vous Presente Pamela. O filme retrata o dia a dia artificial das comunidades formada por atores, maridos, amantes, produtores e técnicos de filmagem durante o processo de filmagem. Aqui, mais importante do que o filme que está sendo feito é a rotina da filmagem, a vida no set. É um making off de uma produção dos anos 70 que, se realizado nos dias atuais, faria parte de qualquer extra do título, quando lançado em DVD.

Em A Noite Americana o público reconhece todos os tipos característicos do cinema mundial. Ferrand (Truffaut) é um diretor que sonhava em se transformar em um novo Orson Wells. Alphonse (Jean-Pierre Leaud) é o jovem inexperiente e apaixonado por uma jovem da equipe técnica. Severine (Valentina Cortese) é a diva alcoólatra que esquece as falas e anda sem rumo pelo cenário de Je Vous Presente Pamela. Julie (Jacqueline Bisset) é estrela romântica e sexy, recém casada com um médico bem mais velho do que ela – uma referência à paixão de Pámela pelo sogro. E finalmente Alexandre (Jean-Pierre Aumont) é o astro maduro que resolve sair do armário.

O mais interessante em A Noite Americana, no entanto, é a forma com que o filme estabelece uma relação entre o cinema e a vida. A interação vida real/fictícia aparece na relação entre os atores e os personagens de Je Vous Presente Pamela. Um exemplo é a passagem na qual os atores estão na sala de projeção vendo uma cena de Je Vous Presente Pamela. Esta mostra Severine tentando convencer o filho (Alphonse) a esquecer a traição de sua mulher (Pámela). Neste instante a câmera pára de focalizar a tela e focaliza Alphonse (o ator), que faz cara de indignado ao ver sua namorada Liliane flertando com o fotógrafo. Tanto o ator quanto o personagem vivem a mesma situação, numa mescla de realidade e ficção.

O recursode reposicionar a câmera é fundamental para se distinguir o que faz parte de A Noite Americana e o que pertence ao Je Vous Presente Pamela. Uma cena representativa é a de Stacey, secretária de Alexandre, que está na piscina quando o seu chefe pede que ela digite uma carta – cena de Je Vous Presente Pamela. Em seguida, a visão do espectador é transferida para outra câmera através da qual vemos todo o aparato técnico montado sobre a piscina para a realização da cena.

Outra cena importantíssima no que se refere ao posicionamento de câmera é aquela em que a atriz/personagem Severine erra várias vezes. Primeiro ela não se lembra das falas e, em seguida, erra a porta pela qual deveria sair. Esta sucessão de erros é importante porque possibilita ao espectador ver a mesma cena de diferentes ângulos. Primeiro, ela é apresentada sob a ótica que o espectador de Je Vous Presente Pamela veria. Depois, a câmera se afasta e o espectador tem a visão da equipe técnica que a acompanha. Em seguida Truffaut apresenta a visão que Ferrand tem de Alexandre (companheiro de cena), e do cinegrafista por trás do cenário. O espectador é convidado não só a assistir a cena tal qual é apresentada em Je Vous Presente Pamela, mas também a presenciar todos os recursos cinematográficos utilizados para a constituição desta.

Uma outra forma de mostrar o amor e a dedicação sacerdotal ao cinema, é a forma como a própria equipe se relaciona com o cinema. Alphonse em qualquer folguinha diz que vai ao cinema. Em outro momento a equipe quase toda marca de ir ao cinema, mas a assistente de direção no último momento não pode ir, pois tem que ajudar o diretor. Enquanto está no quarto escrevendo o roteiro do dia seguinte, Ferrand confere no jornal o que está sendo exibido nos cinemas da cidade, concluindo que Godfather está arrasando. É uma equipe que preenche seu dia (e muitas vezes a noite também!) com cinema, horas e horas de filmagem, ensaios, construção de cenários e figurinos, e nas horas vagas o que eles fazem? Vão ao cinema. O cinema é, enfim, um trabalho do qual eles não querem descanso, não querem se ver livres e distantes dele.

Truffaut também usa seu filme para prestar homenagem aos diretores que marcaram a sua vida. A cena mais representativa e poética é a que Ferrand está discutindo com o produtor a gravidez da personagem Stacey e o auxiliar de direção lhe traz um pacote. Neste mesmo instante o maestro responsável pela trilha musical de Je Vous Presente Pamela liga e pede que o diretor ouça a música que servirá de fundo para a festa à fantasia. Ferrand deixa o fone a uma distância do ouvido, permitindo que o espectador também ouça a música. Enquanto toca a música, Ferrand tira do pacote livros que tratam de outros diretores e os joga sobre a mesa. São eles: Buñuel, Carl Theodor Dreyer’s, Lubitsch, Ingmar Bergman, Jean-Luc Godard, Hitchcock, Rossellini, Howard Hawks e Bresson. Outros cineastas também se fazem presentes ainda que simbolicamente, através de uma tomada da placa de uma rua Jean Vigo, de um pano bordado com o nome de Jean Cocteau, colocado numa parede.

Enfim, A Noite Americana põe às claras o quanto o cinema utiliza inúmeras técnicas de ilusionismo para se tornar uma verdadeira arte da enganação. As cenas em que a equipe de produção fabrica tempestades e nevascas artificiais, ou o jeito que arrumam pra filmar o desastre automobilístico, no contínuo esforço de fazer o fake parecer autêntico, diverte e instrui tanto quanto os melhores making-offs que já se viu. A própria expressão “Noite Americana” se refere a uma técnica especial de fotografia para o cinema. O uso dessa técnica pode fazer com que cenas filmadas durante o dia, sob a luz do sol, pareça se passar à noite.

Mostrando o quanto é difícil tornar verossímil o artificial, o filme acaba por fazer com que o cinéfilo admire ainda mais o esforço de todos os envolvidos com o cinema e a fabricação desses mundos artificiais que são projetados na tela de uma sala escura. E apesar de ser um filme de ficção, e com um roteiro muito bem bolado, A Noite Americana mostra Truffaut engajado numa certa visão do cinema que me parece, paradoxalmente, anti-cinematográfica, como se dissesse que, apesar de tudo, o cinema não importa tanto assim: a vida vale mais, e a vida é o mais urgente. De certo modo, o filme deixa o cinéfilo com a certeza de que a vida é muito mais interessante do que um filme costuma ser, e que as pessoas reais são muito mais dignas de serem filmadas e terem suas vidas expostas do que quaisquer personagens. Num estilo quase documental o filme abre ao espectador as portas para o filme que o público não vê, quando vê um filme. Revela truques, conta segredos, mostra como muitas vezes a cena ou a fala que se julga geniais não dependeram da presença de nenhuma musa inspiradora ou de idealismos românticos. Em síntese, Truffaut prova que muitas vezes o processo de criação de uma obra artística é bem mais interessante do que seu resultado final. No caso do cinema, mais prazeroso, mais cansativo, mais demorado, mais apaixonante, mais estressante, mais enriquecedor.



Ficha Técnica
Negrito
Nome: A Noite Americana
Nome original: La Nuit Américaine
Cor filmagem: Colorida
Origem: França - Itália
Ano produção: 1973
Gênero: Drama
Duração: 115 min
Direção: François Truffaut
Elenco: Jacqueline Bisset, Valentina Cortese, Dani, Alexandra Stewart, Jean-Pierre Léaud, François Truffaut.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Os limites da consciência



Uma família desmembrada por força de pequenos segredos que se tornam enormes mentiras tenta desesperadamente permanecer unida e recusa-se a aceitar a Verdade. Para evitar fazer face a pesadas provas e responsabilidades, eles escolhem ignorar a Verdade, e recusam ver, ouvir ou falar sobre ela, como na fábula dos Três Macacos

Quase todo mundo já viu alguma versão da célebre figura dos três macacos. Um cobre os olhos com as mãos, outro cobre as orelhas, o terceiro a boca. A imagem original está esculpida num templo japonês e materializa um provérbio do Japão, segundo o qual não se deve ver o mal, ouvir o mal, falar o mal – se ninguém visse o mal alheio, nem o escutasse, nem falasse dele, a humanidade viveria em harmonia. A lenda é a metáfora do título de Três Macacos, do cineasta turco Nuri Bilge Ceylan, que conta a história de uma família dilacerada, que tenta se manter unida apesar de seus segredos.

O Filme foi exibido em Cannes no ano passado, valendo ao seu realizador o prêmio de melhor diretor. A produção chegou a ser apontada como uma das fortes candidatas à Palma de Ouro, prêmio máximo do festival, mas acabou perdendo para Entre Os Muros da Escola. Mas Cannes continua sendo o maior responsável pela divulgação internacional do trabalho do cineasta turco. Lá foram exibidos, por exemplo, Climas (2006), que estreou no Brasil só em 2008, e Distante (2002), vencedor dos troféus de melhor ator e o Grande Prêmio do Júri naquele festival, mas que continua inédito em circuito comercial brasileiro.

Três Macacos é um presente para os cinéfilos – principalmente aqueles que acreditam que a arte está, antes de tudo, na diversidade. O filme de Ceylan aposta na valorização dos primeiros planos dos seus protagonistas, o que exige a escalação de atores capazes de transmitir emoções complexas não raro num único olhar. E consegue isso de seu admirável trio de intérpretes, Yavuz Bingöl, Hatice Aslan e Ahmet Rifat Sungar, respectivamente como o pai, a mãe e o filho de uma família pobre corrompida por um político (Ercan Kesal). O filme está longe de ser uma produção fácil de se ver. Isso porque ele se propõe a desafiar o espectador a cada cena, em um intenso exercício de forma e conteúdo.É como se ele propusesse desafios ao espectador a cada cena. É um exercício clássico de forma e conteúdo na qual a história acaba se tornando irrelevante. A forma com que ela é apresentada, porém, é o que faz de Três Macacos um exemplo de bom cinema.

Por que o filme não é fácil? Talvez por causa de sua lentidão, que , no entanto, está longe de ser uma falha da produção. É, antes sim, um recurso que valoriza o ritmo calmo e introspectivo da produção. O diretor usa os longos silêncios, os quadros estáticos, e a ambientação e a fotografia a serviço da psicologia dos personagens. A falta de comunicação dos integrantes da família é dada pelo uso constante do primeiríssimo plano, em que sentimentos são expressados não pela palavra mas sim pela troca de olhares, suor das faces, ou cabelos molhados. O aprisionamento dos personagens naquele mundo em que nada se fala, nada se vê e nada se escuta, é acentuado pela preocupação da câmera em bem diagramar o espaço interno do apartamento. As cenas externas, embora poucas, são marcantes. Em uma delas, a mãe debruça-se sobre a grade do cais, frente ao mar, e o céu cinzento parece que vai desabar sobre ela, acentuando sua dor e solidão. Em pinceladas rústicas, sem muitos diálogos, o filme requer a participação ativa do espectador para preencher suas lacunas e escutar a fundo a alma dos personagens.


No começo da história, o político Ercet (Ercan Kesal) atropela e mata uma pessoa numa estrada, numa noite chuvosa, em que ele dirigia com muito sono. Ele foge e convence, então, seu motorista Eyüp (Yavuz Bingöl) a assumir o crime, para não enfrentar um escândalo na véspera de uma nova eleição. Como compensação, faz-lhe a promessa de uma boa soma em dinheiro no final da pena de prisão que o motorista terá de cumprir, além de garantir mensalmente seu salário à mulher e ao filho.
Tentando realizar um sonho profissional do filho deslocado no mundo, Ismail (Ahmet Rifat Sungar), a mãe Hacer (Hatice Aslan) recorre ao político para um empréstimo em dinheiro. O encontro leva à sedução da mulher e acelera a desagregação moral deste núcleo familiar, que esconde outros traumas. O principal deles, a morte de um filho quando criança (Gürkan Aydin) - que aparece, como fantasma, em duas cenas memoráveis. A imagem desse irmão numa foto na parede da sala, remete o espectador a um passado de maior cumplicidade entre aquela família, em que seus três macacos se falavam, se viam e se escutavam.

O filho desconfia do envolvimento de sua mãe com Servet. Ao constatar o ocorrido, é violento com ela. Ao visitar o pai na cadeia, contudo, esconde-lhe a verdade. Nove meses depois, o motorista sai da prisão e espanta-se com o horror. Sua mulher o trai com o político e seu filho único fracassou nos estudos. Acostumada a não falar sobre seus conflitos, a família não poderá, desta vez, jogá-los para baixo do tapete. A violência latente e real aos poucos terá que se definir sobre o rumo a tomar.

Se a metáfora dos três macacos é boa e representa as coisas que os membros daquela família escolhem não ver, ouvir ou falar para manter um certo equilíbrio na vida domiciliar quando a imoralidade vem visitá-los, eles logo descobrem que esse equilíbrio não passa de uma perigosa ilusão.

quarta-feira, 25 de março de 2009

O implacável Walt Kowalski








O protagonista de Gran Torino é mais um personagem profundo criado por Clint para questionar os valores da vida frente às adversidades





A estante de Clint Eastwood está abarrotada de prêmios, entre eles, quatro estatuetas douradas, de melhor filme e diretor para Os Imperdoáveis, em 1992, e as mesmas categorias para Menina de Ouro, em 2005. Um espaço, porém, parece destinado a permanecer vago: aquele reservado ao Oscar de melhor ator. Com 78 anos de idade, 52 deles dedicados à carreira, o veterano avisou que sua atuação em Gran Torino, em cartaz em circuito nacional, será sua última participação no cinema como ator. Mas o ator que completa 80 anos em maio, está longe de se aposentar. Atualmente está no set filmando a cinebiografia do escritor Mark Twain.




Os anos passam e, invariavelmente, o ator, diretor e produ­tor – ou seja, autor de cinema - continua impressionando. Em Gran Torino, ele o faz oferecendo ao público o trabalho de um autor que não apenas narra bem e levemente, mas registra o tema do envelhecimento de forma totalmente coerente com a sua própria trajetória. Ele dá a sua cara a esse tema, da mesma forma que o fizera em Os imperdoáveis (1992), em Cowboys do Espaço (1999) e até mesmo em Menina de Ouro, de 2004.
Clint decidiu finalizar o arco de suas atuações como Walter Kowalski,um veterano da Guerra da Coreia que acabou de perder a esposa depois de um longo casamento. Ele não se dá com os filhos e muito menos com as noras. Mora num bairro agora habitado por imigrantes. Ele próprio é um americano violento, meio racista que , hasteia a bandeira na porta da casa, foi à guerra da Coréia, trabalhou para a Ford durante 50 anos e condena o filho por vender carros japoneses. O velho rabugento detesta ver sua vizinhança tomada por asiáticos, no caso, integrantes da comunidade Hmong (grupo étnico de imigrantes originário de uma região próxima ao Vietnã e ao Laos), povo que os EUA herdaram depois da Guerra do Vietnã. Walt desconhece noções de correção política e guarda ainda memórias duras da Guerra da Coréia, onde lutou muito jovem e parece uma versão madura do politicamente incorreto Dirty Harry, policial durão que fez a fama de Eastwood nos anos 70 em filmes como Perseguidor Implacável e Dirty Harry na Lista Negra. Ranzinza, preconceituoso, machista, Walter passa seus dias sentado na frente de casa vendo o movimento da rua, tomando cerveja em grandes quantidades e xingando seus vizinhos. Sua única paixão está na garagem. Um carro de 1972 sempre limpo, bem lustrado, mecânica perfeita. O Ford Gran Torino de Walt Kowalski é o último resquício de uma época que não existe mais, em que os Estados Unidos eram um país próspero, com uma forte indústria automobilística e sem imigrantes espalhados por todos os cantos. Um tempo de que Walt Kowalski sente saudades.




A vida de Walter começa a mudar quando ele se envolve com seus novos vizinhos depois que Thao (Bee Vang), garoto adolescente é levado a tentar roubar o Gran Torino pressionado por uma gangue de jovens Hmong que querem tomá-lo para o mau caminho. Kowalski flagra o moleque e de espingarda em punho o põe para correr, fato que não agrada a gangue, que insiste que Thao cumpra a missão. É quando Walt enfrenta sozinho a gangue que aterroriza o bairro. Resultado: o ranzinza americano passa a ser visto pela vizinhança como herói. Famílias Hmong vêm de todos os cantos para agredecê-lo não apenas por ter salvo o menino da influência dos bandidos, mas para homenageá-lo. E Walt não consegue se livrar dos vizinhos que aprentemente odeia, principalmente Thao. Como penitência e ao mesmo tempo um pedido de desculpas, a família de Thao o obriga a trabalhar para Kowalski, em serviços domésticos ou naquilo que o solitário homem precisar. Não se sabe se o castigo é para Thao ou para o velho militar.




Os embates entre e Walt e a gangue asiática que não se conforma com o bom comportamento de Thao formam os momentos mais Dirty Harry do filme e provam que Clint Eastwood sabe manipular a imagem da forma que deseja. Ele sabe que, quando o espectador o vê de cara fechada, com ódio mesmo, tende a se lembrar do personagem dos anos 70. Walt não leva desaforo para casa, e consegue impor sua moral, mesmo tendo quase 80 anos, com o grupo de jovens inconseqüentes. Gran Torino fica nesse meio: ao mesmo tempo em que mostra um Walt sem medo de tirar sangue dos outros, também é um retrato do racismo, já que em ele
nunca esconde seu desprezo pelos vizinhos. Isso, claro, até Thao começar a cativá-lo. É uma evolução interessante. Walt baixa a guarda, supera a própria resistência e o preconceito, e se aproxima dos vizinhos, criando laços de amizade e percebendo que tem com eles mais identificações do que com os próprios filhos.




A improvável amizade entre Thao e Walter remete o velho à figura paternal de Menina de Ouro, lembrando ainda o forasteiro que se torna defensor de uma comunidade em O Cavaleiro Solitário, que o diretor realizou em 1985. É a amizade que faz com que Walter reveja seus seus conceitos e perceba como as relações afetivas são muito mais calorosas do que o ronco de um motor. E com a ajuda da irmã mais velha de Thao, Sue (Ahney Her), há uma engraçada aproximação do velho racista americano com os seus vizinhos, obstáculos que começam a ser superados não só através de conversas muito humanas, comida e cerveja.






Em tempo: Fabricado pela Ford entre 1968 e 1976, o GranTorino é considerado um intermediário entre o Fairlane, carro dos anos 60, e o Mustang, que o substituiu na década seguinte. O design esportivo e o pouco tempo em que foi comercializado são responsáveis pelo culto ao modelo nos EUA.



Gran Torino (2008), 116 min.
Direção: Clint Eastwood
Roteiro: Nick Schenk, Dave Johannson
Elenco:Com: Clint Eastwood, Christopher Carley, Bee Vang, Ahney Her, Brian Haley, Geraldine Hughes, Dreama Walker

sábado, 7 de março de 2009

Entre a culpa e os limites do perdão
















Uma reflexão filosófica sobre a lei versus a moral, uma equação sobre a abrangência da culpa e os limites do perdão, um questionamento sobre o nazismo, a culpa coletiva e banalidade do mal. Estas são algumas das questões abordadas pelo filme O Leitor, de Stephen Daldry,em cartaz em Goiânia desde sexta-feira ( 6 de março). A produção inglesa que deu a Kate Winslet o Oscar de Melhor Atriz, é baseada no famoso livro best seller de mesmo nome ( lançado no Brasil pela editora Record) e parte do princípio de que pequenas ações podem mudar totalmente a vida das pessoas e o destino de quem está a sua volta.





A primeira vista, a trama conta uma história de amor, que dura apenas um verão, entre o adolescente de 15 anos Michael Berg (vivido quando jovem por David Kross e já na fase adulta por Ralph Fiennes) e a misteriosa Hanna Schmitz (interpretada brilhantemente por Kate Winslet), um mulher solteira de 35 anos que trabalha como cobradora de passagem de bondinhos, na Alemanha pós 2ª Guerra Mundial. Hanna inicia o garoto ( ela nunca diz seu nome) no sexo com particular desvelo. As sessões de sexo são intercaladas de leituras de grandes clássicos que ela insiste que o garoto leia em voz alta. Horácio, Homero, Tolstói, Tchékhov, Schiller. Um dia a mulher desaparece sem deixar rastros. Michael vai reencontrá-la oito anos mais tarde: ele como estudante de direito; ela no banco dos réus. Na Siemens, era uma das encarregadas de selecionar mulheres para o campo de concentração e a morte.




Quem conhece a trajetória do diretor Stephen Daldry sabe o que esperar de O Leitor. O cineasta britânico é um especialista em dramas vigorosos em que suas personagens são levadas a situações-limite. Foi assim com Billy Elliot e As Horas, que deu o Oscar de melhor atriz a Nicole Kidman. Seguindo a cartilha de Daldry, Michael, levado a assistir o julgamento de criminosos nazistas, tem de enfrentar seus valores, seu modo de encarar as leis, o seu próprio sentimento e a moralidade.





É nesta parte do filme que aparece o questionamento: quanto custa um segredo? Ou melhor, quanto vale a verdade? Pequenas ações e palavras podem mudar totalmente as nossas vidas e o destino de todos que estão a nossa volta. Hannah tem seus motivos para guardar um segredo que, senão a livraria da culpa pelos crimes pelos quais esta sendo julgada, pelo menos minimizaria a pena. É nesse contexto da vergonha e do segredo que duas vidas se modificam. Trazendo a trama para o cotidiano da vida real, quantas vezes uma atitude sem pensar, uma mentira ou até mesmo uma omissão podem mudar não só a sua vida, mas a vida das outras pessoas. É em torno desse dilema ético que Stephen Daldry consegue transformar O Leitor numa em um filme plural: um romance sobre um grande amor proibido, um drama de tribunal que investiga os limites da Justiça, um novo olhar sobre as culpas pela guerra, um estudo sobre como a personalidade dos culpados interfere na história.





E o público, que conhece o segredo de Hannah, se surpreende com a frieza com que ela interage com os problemas. Ela é prática e racional: "Os mortos já estão mortos. O que sinto ou deixo de sentir não os trará de volta". Ela sabia o que fazia? “Sim”. E por que o fazia? “Porque era o meu dever”. Ou ainda: “Porque novas mulheres chegavam, e não havia lugar para todas”. E pergunta ao juiz:” O que o senhor teria feito em meu lugar?”





Michael assiste aos depoimentos com a alma devastada. Ao mesmo tempo, no curso de direito, um professor indaga se países são governados pela moral ou pelas leis. É a culpa coletiva e a banalidade do mal. Os responsáveis pelos genocídios nos campos de concentração tem mesmo culpa? E o professor questiona não a culpa moral, mas a culpa legislativa – como professo de Direito que é. Durante a guerra, a Alemanha aceitava o genocídio dentro de suas normas legislativas. O que acontecia, segundo o professor, era simplesmente o cumprimento da lei. E se alguém tinha de ser condenado, deveria ser os responsáveis pela promulgação da lei.




Deixando a história de O Leitor de lado, partimos para a análise do filme. Em primeiro lugar, a produção demostra, mais uma vez, que Stephen Daldry é um excelente diretor de intérpretes, capaz de trabalhar, com a mesma intensidade, com estrela de primeira grandeza como Kate Winslet e um ator iniciante como David Kroos, que interpreta o jovem Michael. Kross exibe uma excepcional interpretação, ajudando na construção do jovem e do universitário Michael, sabendo compreender o personagem e dosar cada situação emocional do personagem.





Kate Winslet confirma, uma vez mais, ser uma atriz de completo domínio da técnica de interpretar, da mesma forma que pode ser conferida em Foi Apenas um Sonho, de Sam Mendes. Aqui ela encarna a complexa personagem com muita determinação e vigor, fazendo com que o destaque de sua caracterização se posicione principalmente na maneira de Hannah caminhar, como se lhe pesasse o fardo da vida. Ralph Fiennes, Bruno Ganz e Lena Olin, como sempre, estão perfeitos em suas atuações.




Serviço
O Leitor ((The Reader)
Origem: EUA/2008
Direção de Stephen Daldry.
Elenco: Kate Winslet, Ralph Fiennes, Bruno Ganz.
Censura: 16 anos.
Cotação: ****1/2

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Nada de novo em Operação Valquíria
















A conspiração dos militares alemães para assassinar Adolf Hitler durante a II Guerra, retratada por Brian Singer em Operação Valquíria não tem maiores atrativos além de seu elenco milionário, encabeçado por Tom Cruise como o coronel Claus von Stauf­fenberg, responsável por levar a cabo o assassinato de Hitler, em julho de 1944, quando se desenhava a irreversível derrocada da Alemanha na II Guerra. A história dá conta de que a operação foi um fracasso e que todos os oficiais envolvidos foram executados em 20 de julho de 1944. Além de Cruise, o filme tem no núcleo do complô, militares de alta patente, como o marechal Henning von Tresckow (Kenneth Branagh) e os generais Friedrich Olbricht (Bill Nighy) e Ludwig Beck (Terence Stamp). A tentativa de mandar Hitler pelos ares, junto com seu estado-maior, plantando uma bomba no bunker, em Rastenburg, hoje território da Polônia, também já foi levada as telas em O Plano para Matar Hitler (1990), com Brad Davis no papel do oficial vivido por Tom Cruise. O filme dirigido por Bryan Singer vem se juntar a uma série de novos títulos que endossam o permanente interesse do cinema em mostrar os atores e os episódios de uma das mais odiosas tragédias da história humana.

Nascido na Bavária em 15 de Novembro de 1907, Claus Philip Maria Schenk Graf von Stauffenberg tinha o título de conde e descendia de uma linhagem da nobreza germânica com 700 anos de tradição. Intelectual com gosto pela música, arquitetura e poesia, ele ingressou na carreira militar nos anos 1920 e logo se destacou pela coragem e capacidade de liderança, qualidades que o fizerem ascender rapidamente na hierarquia do exército, tornando-se coronel precocemente. Durante a campanha na África, com a 10ª Divisão Panzer, sofreu sérios ferimentos, perdendo o olho esquerdo, a mão direita e três dedos da esquerda. Nessa época já integrava o oficialato dissidente, que criticava Hitler pelos genocídios contra os judeus, além de seus equívocos militares. Para ele, o massacre de civis era inadmissível em uma guerra.

Desde clássicos O Grande Ditador (1940), clássico dirigido e protagonizado por Charles Chaplin , Sabotador (1942) e Casablanca (1943), Hollywood vem retratando o nazismo e seus vilões – não raramente interpretados por grandes atores como Orson Welles -O Estranho- , Marlon Brando -Os Deuses Vencidos- e Maximilian Schell-A Cruz de Ferro. Além de Hollywood, o cinema internacional também vem contribuindo cada vez mais com outras visões sobre o horror hitlerista. E produções recentes destacaram-se justamente no Oscar.


Em 2004, A Queda - Os Últimos Dias de Hitler-, indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, mostrava como Adolf Hitler, trancado com seu alto comando em um bunker na Berlim já sitiada pelos soviéticos, ainda acreditava na vitória alemã. O diretor alemão Oliver Hirschbiegel baseou-se em pesquisas do historiador Joachim Fest e em um livro de Traudl Junge – tema do documentário Eu Fui a Secretária de Hitler (2002).O grande ator suíço Bruno Ganz está magnífico no papel do tirano, expressando com intensidade os instáveis estados de ânimo de seu personagem. Já o austríaco Os Falsários, sobre prisioneiros obrigados a falsificar documentos bancários em um campo de concentração, levou a estatueta de melhor filme estrangeiro em 2008, enquanto Katyn, do mestre Andrzej Wajda, a respeito de um massacre de poloneses durante a ocupação alemã, concorreu ao mesmo prêmio no ano passado.

O cinema já provou também que o nazismo não acabou com a rendição assinada pela Alemanha no dia 8 de maio de 1945. Os crimes e a ideologia racista difundida por Hitler e seus asseclas assombram a humanidade ainda hoje. Maratona da Morte (1976) e Os Meninos do Brasil (1978), estrelados respectivamente por Laurence Olivier e Gregory Peck, mostram a impunidade dos monstros nazistas ainda perpetrando crimes – o médico Josef Mengele, encarnado no cinema por Peck, morreu em São Paulo em 1979.

Em O Segredo de Berlim (2006), Steven Soderbergh cria um thriller sobre a ajuda clandestina dos EUA a chefes nazistas no pós-II Guerra. Já o excelente filme francês A Questão Humana (2007) aproxima a lógica do nazismo das modernas técnicas de gestão empresarial.

Entender como pessoas comuns tornaram-se cúmplices dos crimes do nazismo e mostrar como alguns resistiram ao regime são temas que começaram a aparecer no cinema só recentemente. Em A Lista de Schindler (1993) – vencedor de oito Oscar, incluindo melhor filme e direção –, Steven Spielberg contou a história verídica de um empresário alemão simpatizante do nazismo que acabou salvando 1,1 mil judeus da morte.
Uma Mulher Contra Hitler (2005) revelou a história de Sophie Scholl, militante alemã antinazista presa pela Gestapo. A Espiã (2006) mostra a Resistência na Holanda e a cooptação de um oficial alemão por uma agente judia.



Até o super valorizado O Leitor -- que teve cinco indicações ao Oscar deste ano-- traz uma de uma história de fundo emocional sobre os ecos da II Guerra. Entre vaivéns no tempo, mostra-se a relação de Hanna Schmitz (Kate Winslet) e Michael Berg (David Kross e Ralph Fiennes se alternam no papel). Em 1958, esse adolescente de 15 anos perde a virgindade com Hanna (Kate), uma cobradora de bonde 18 anos mais velha. Entre uma transa e outra, Michael lê para a amada, clássicos da literatura. Tempos depois, já separados, ele a reencontra num tribunal. Hanna, uma ex-guarda nazista, está sendo julgada por crimes de guerra.

Dirigido pelo brasileiro Vicente Amorim, Um Homem Bom acompanha a gradual transformação de um pacato professor de literatura em ideólogo do nazismo.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Um fábula sombria e comovente

O Curioso Caso de Benjamin Button é um espetáculo cinematográfico sobre sincronicidade, sobre a relação física no tempo e no espaço entre aquilo que se deseja e aquilo que se faz para realizar sonhos. Todo o filme comprova o fato de que a vida não é medida em minutos. A vida é medida em momentos.











Gostei imensamente de O Curioso Caso de Benjamim Button, filme de David Fincher que vi na sexta-feira, dia de estréia, na sala 5 do Grupo Severiano Ribeiro, no Flamboyantt Shopping Center. O filme me marcou profundamente porque apesar de celebrar a vida, fala o tempo inteiro de morte e nos dá uma lição ao provar que as experiências de vida nos mostra que quanto mais a gente ama, mais tem a certeza de que um dia vai perder tudo aquilo. É doloroso, mais inevitável.Benjamin Button foi criado nos anos 20 pela mente de F. Scott Fitzgerald , o autor de O Grande Gatsby e O Último Magnata. Fitzgerald foi inspirado por um pensamento de Mark Twain (1835-1910) na qual o autor de Huckleberry Finn dizia que " a vida seria infinitamente mais feliz se nós pudéssemos nascer com a idade de 80 anos e gradualmente nos aproximássemos dos 18. Benjamim Button é um homem que nasce velho e morre bebê.
Ao transportar o conto para ás telas de cinema, David Fincher, o diretor de Seven (1995), Clube da Luta (1999) e Zodíaco (2007) consegue superar seus trabalhos anteriores com um drama talhado para conquistar várias estatuetas no próximo Oscar. Além de bastante comovente, a história é de uma originalidade ímpar. São quase três horas de duração, que passam batidas, para narrar a tal curiosa trajetória de Benjamin (Brad Pitt). Em 1918, a mãe de um bebê morre no parto e o pai, atordoado com suas feições, deixa o filho na porta de Queenie (Taraji P. Henson), dona de uma pensão para a terceira idade em Nova Orleans. Ela adota a criança, que, embora nascida com aparência de um idoso, remoça, surpreendentemente, com o passar dos anos. Durante décadas, Benjamin vai conhecer prazeres e dissabores da vida. A paixão pela bailarina Daisy (Cate Blanchett) o acompanha por muito tempo.
Vivendo uma vida de trás para frente, Benjamin, magistralmente interpretado por Brad Pitt, combine a experiência da maturidade com a vitalidade de um corpo jovem e sadio mas logo descobbre que sua vida não é ou será diferente do ciclo imposto pela natureza e, a despeito da especulação científica e filosófica que inspirou o conto de Fitzgerald , ela passa o tempo todo se preparando para a morte, ou rodeado dela.
Enquanto os anos passam, Benjamin fica mais novo. Seu cabelo cresce, suas rugas desaparecem aos poucos e seu físico se torna mais vigoroso. Em meio a isso, ele conhece figuras como um pigmeu, um capitão de barco com quem viaja o mundo e a mulher de um diplomata que sonha em cruzar o Canal da Mancha a nado (interpretada por Tilda Swinton). Com ela, o protagonista - então com aparência de uns 60 anos - dá o seu primeiro beijo.
Fincher constrói drama de primeira. Para isso, vai do cômico ao trágico. Ou, frequentemente, mistura os dois – o homem senil, por exemplo, que insiste em dizer que foi atingido sete vezes por um raio, é sempre cortado por divertidas imagens de como isso teria ocorrido. No extremo da tragédia vamos encontrar o Benjamin Button no fim da vida, com cara de adolescente, sendo diagnosticado com a demência típica de muitos idosos – uma condição que conhecemos no mundo real, transformada em algo chocante pela idade aparente da personagem
Mas o amor da vida de Benjamin é Daisy (Cate Blanchett), uma menina que ele conhece na infância. Enquanto ele fica mais novo, ela envelhece. A diferença física entre os dois é sempre bastante visível, até que, em um determinado ponto, os dois finalmente atingem idades parecidas. Só que não terão o prazer de passar a velhice juntos. Pelo menos não da maneira convencional. A paixão é interrompida pela inversão do ciclo natural da vida e a única certeza que perece ficar dessa experiência – além da resignada Daisy dizer que todos usam fraldas nos extremos de suas vidas – é a de que não há escapatória: seja por onde começar, uma vida vai passar, inexoravelmente, por alegrias, descobertas, conquistas e perdas.
Benjamin amadurece com uma tranqüilidade que poucos conhecem em relação à perda. Ele vem de um mundo de pessoas em paz com sua própria mortalidade, portanto não há muita coisa que o assuste.Cada pessoa que conhece é transitória; cada minuto com elas pode ser seu último momento. Mesmo assim, nenhuma dessas pessoas é histérica; todos se satisfazem com o que têm. Portanto, ainda muito jovem, os aspectos mais profundos da morte lhe eram familiares. Ela chega para todos, e nós passamos as nossas vidas focados em outras coisas para evitar pensar sobre essa inevitabilidade. Seu andar para trás só o torna mais consciente de que não podemos nos agarrar às coisa.



As perdas de Button e de Daisy me fizeram pensar muito na perda mais importante de minha vida. Minha mãe, que faleceu no dia 30 de novembro. Em um determinado momento do filme, Button diz que Deus leva as pessoas que a gente ama para a gente ver se consegue ser feliz sem elas. Com a perda de minha mãe, uma pessoa que determinou minha formação de várias formas, que era meu Norte, perdi também a bússola da vida. O vazio que ficou me faz pensar que hoje não preciso mais tentar agradar alguém ou reagir contra algo. Estou verdadeiramente só sobre varios aspectos.
Mas também entendi que como diz a personagem Tizzy ( Mahershalhashbaz Ali), a gente sabe que pode ter as coisas por certo tempo e que depois é preciso deixá-las ir. Podemos tirar o melhor proveito delas enquanto estão por aqui, porém nunca serão nossas. O filme é assim, fala de mortes, perdas e lutos e, ao fazê-lo, acaba construindo, na verdade, uma poderosa representação dos fluxos da vida.
O filme não tem deslizes na técnica. Da maquiagem à direção de arte, notam-se calculadamente os caprichos da produção. Fotografia, maquiagem e cenografia impecáveis fazem com que O Curioso Caso de Benjamin Button" lembre em muitos momentos os filmes do francês Jean-Pierre Jeunet,Eterno Amor e O Fabuloso Destino de Amélie Poulain). A narrativa também se assemelha a Forrest Gump (1994), o que é compreensível considerando que o roteirista de ambos os filmes - Eric Roth - é o mesmo.



O conto original
Publicado em 1921 e mais tarde reunido à antologia Contos da Era do Jazz, a história original de Benjamin Button imaginada por F. Scott Fitzgerald tem o tom de uma fantasia cômica e por fim melancólica, mas bem menos romântica do que o filme.
Fitzgerald concentra-se em imaginar com humor as consequências de um homem que vivesse a vida ao contrário. Benjamin nasce em Baltimore, em 1860, com uma longa barba e o aspecto de um homem pequeno e encarquilhado de 70 anos. O pai, um empresário respeitável, o obriga a pelo menos raspar a barba para parecer uma criança – estranha, mas ainda assim uma criança. Benjamin já nasce falando, prefere conversar com o avô e filar cigarros do pai a brincar.
A história romântica que ocupa o centro do filme tem papel menor no conto. Benjamin casa com Hildegard, ama-a, tem filhos e progressivamente se desinteressa dela à medida que vai ficando mais jovem e ela, mais velha.