quinta-feira, 28 de outubro de 2010

segunda-feira, 8 de março de 2010

A noite de Kathryn Bigelow



Sete março de 2010 entrou para a história do cinema mundail comoo dia em que uma mulher ergueu pela primeira vez o Oscar de melhor diretora na mais popular premiação do cinema. Quem conseguiu essa façanha foi Kathryn Bigelow, cineasta de Guerra ao Terror. Além de ser premiado E além de ser aclamado o melhor filme do ano passado, o filme levou as estatuetas de Melhor Montagem, Melhor Edição de Som, Melhor Mixagem de Som e Melhor Roteiro Original.



Quem acompanhou a festa do Oscar na noite de domingo certamente ficou se perguntando o porquê da Academia premiar uma mulher na categoria de melhor direção depois de 82 anos de existência do prêmio mais famoso do cinema. Talvez porque que Kathryn Bigelow não é uma cineasta responsável por filme edificantes, dramas sentimentais e principalmente porque sua filmografia está pautada por produções violentas, dotadas de muita adrenalina e quase sempre masculinas, daquelas que estão nas locadoras em locais destinados a gêneros como ação, terror ou mesmo ficção científica, passando bem longe dos dramas ou comédias românticas.

O mérito desta californiana de 59 anos é fazer filmes com um toque de individualidade que os tornam únicos, daqueles que o espectador pode até esquecer quem fez, mas não esquece a história bem contada. E ela começou a contar histórias em celulóide em 1982 com The Loveless, em que dirigia Willem Dafoe. Alguns anos depois, mais precisamente em 1987, ela enveredou pelo mundo dos (atualmente) tão cultuados vampiros em Quando Chega a Escuridão, contando a história como quem estivevesse no faroeste ( moderno) sangrento.
Em 1990 Bigelow escolheu Jamie Lee Curtis para ser a heroína de seu filme Jogo Perverso, único em sua filmografia com um personagem feminino como protagonista Lee é a policial brutalizada pela profissão e perseguida por um psicopata. A violência do filme chamou tanta atenção que lhe abriu as portas para realizar seu filme seguinte, o primeiro feito por um grande estúdio (Fox) Caçadores de emoção (1991).O filme contava a história de uma gangue de surfistas liderada por Patrick Swayze (falecido no ano passado) que rouba bancos, infiltrada por um agente do FBI (Keanu Reeves). É uma das principais evidências de que Bigelow sabe filmar, seu estilo superando um projeto que seria nada mais do que rotineiro em outras mãos.

Quando da realização de Caçadores de Emoção, Katherine era casada com James Cameron, que, naquele ano, emplacou nas bilheterias com O Exterminador do futuro 2 lançado nos cinemas e concorrente direto nas bilheterias de Caçadores de emoção. Juntos, desenvolveram a interessante ficção científica Estranhos prazeres. Roteirizado e produzido por Cameron, esse filme, como os outros filmes de Bigelow, nunca chegou a ser um sucesso comercial.
Em 2000 Bigelow fez o fraquinho The Weight Of Water, que mal se pagou. Mesmo assim ela consegui que investidores ( produtores) drama claustrofóbico K-9 – The Wdowmaker, sobre um incidente num submarino russo. Mesmo sendo protagonizado por Harrison Ford, o drama não decolou.
Agora Guerra do Terror ganha o Oscar de Melhor Filme e Melhor Direção e marca a redenção hollywoodiana de Bigelow.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

O que ver de Haneke



Violência Gratuita (1997) – Susan­ne Lottar e Ulrich Mühe vivem um casal que vai passar férias no campo com o filho e é atacado por uma dupla de psicopatas. Provocativo, o longa tem cenas de violência que chocaram algumas plateias, mas que pautaram discussões sobre a crueldade dos agressores. Exibido no Festival de Cannes, saiu premiado no Fantasporto.


Código Desconhecido
(2000) – Um incidente numa movimentada avenida de Paris faz se entrecruzarem as trajetórias de cinco personagens que pareciam não ter nada em comum. Protagonizado por Juliette Binoche, o longa aborda a intolerância e a xenofobia na França. Ganhou o prêmio do júri ecumênico em Cannes.


A Professora de Piano (2001) – Melhor atriz (Isabelle Huppert), ator (Benoit Magimel) e prêmio do júri em Cannes, conta a história de uma professora de piano do Conservatório de Viena que tem 40 anos, não bebe, não fuma e mora com a mãe, mas que frequenta cinemas pornôs e peep-shows – até iniciar uma relação repleta de jogos perversos com um jovem aluno.

Caché (2005) – Um de seus longas mais perturbadores, em que Haneke volta a abordar o preconceito na França, agora aliado à desagregação familiar. A história, cheia de suspense, é a de um casal (Juliette Binoche e Daniel Auteuil) que se vê perseguido ao receber, pelo correio, vídeos e desenhos ameaçadores. Melhor direção, prêmio da crítica e do júri ecumênico em Cannes.

Funny Games U.S. (2007) – Refilmagem ipsis litteris do Violência Gratuita/Funny Games original, mas com atores de Hollywood (Tim Roth, Naomi Watts, Michael Pitt), reforça a ideia de provocação do título original – agora fazendo pensar sobre a própria natureza do projeto do cineasta

Onde nascem os monstros




Em seu mais recente longa, A Fita Branca, o diretor de Caché e A Professora de Piano especula as raízes do mal e a gênese do nazismo em um aparentemente pacato vilarejo alemão às vésperas da eclosão da I Guerra


A primeira impressão que tive no começo da exibição de A Fita Branca na tarde de quinta-feira ( 18 de fevereiro) no Lumiere Bougainville foi de estar diante de um filme de Ingmar Bergman. Talvez pelas características físicas dos personagens germânicos ou mesmo pelo fato da produção estar sendo exibida em preto e branco ( mais tarde fiquei sabendo que o filme foi totalmente filmado em cores e alterado para branco-e-preto durante a pós-produção). Quinze minutos depois do início da exibição as ações desenroladas na tela já tinham mostrado mais motivos para a justificar a opinião relacionada a proximidade de A Fita Branca com a obra do cineasta sueco. Como Ingmar Bergmam, o austro-alemão Michael Haneke explora a relação da regidez social com os princípios religiosos e seus complexos de culpa, só para citar alguns dos varios aspectos do filme que no dia 07 de março concorre ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e que conta uma história em que a brutalidade é uma pulsão destrutiva escondida nos grotões mais obscuros da sociedade e da família..

Haneke nunca foi um cineasta fácil, mas sempre foi genial que explora a inaudita violência subjacente à sociedade contemporânea – especialmente a europeia em toda sua filmografia.Ele é um especialista em causar mal-estar no espectador. Se seus filmes são pesados, no entanto, muito se deve ao fato de terem uma densidade dramática monumental e de discutirem temas fundamentais do mundo contemporâneo – a xenofobia, a sociedade de aparências, o fetiche da violência. Foi assim com Caché, que em 2005 ficou com a Palma de Ouro do Festival de Cannnes. E em A Professora de Piano, que ficou com o Grande Prêmio do Júri em Cannes em 2001, onde ele abordou questões como intolerância, o ressentimento de classe, o excesso de conforto que cria pessoas incapazes de lidar com a realidade.


Em A Fita Branca, Haneke lança uma luz ao mesmo tempo reveladora e fugidia sobre o caldo de cultura que propiciou o florescimento do nazismo no seio da sociedade alemã. Não por acaso, o filme é ambientado na Alemanha pré-Primeira Guerra Mundial. Focado numa pequena vila que aparentemente ainda vive num regime plenamente feudalista, o roteiro do próprio diretor aborda uma série de incidentes violentos que tomam o lugarejo de surpresa sem que os habitantes consigam identificar o(s) autor(es) das ações. Já na cena de abertura, o médico local está voltando para casa, a cavalo, quando sofre um acidente misterioso. A seguir descobre-se que se tratou de uma armadilha, e que novos crimes ainda mais cruéis irão ocorrer.Enquanto tentam compreender exatamente o que está acontecendo, aqueles indivíduos são obrigados a lidar com suas próprias crises internas, desde confrontos entre pais e filhos a protestos mais chocantes sobre a natureza do trabalho e da remuneração oferecidos pelo Barão que domina o local. Em meio a tudo isso, o pacato professor da única escola da vila tenta trazer algum sentido para o que testemunha enquanto vive uma profunda paixão por uma jovem babá. É ele que narra a história. Sua posição é a de quem está adiante no tempo, olhando para trás, ao mesmo tempo lembrando e tentando entender o que se passou. As intenções de Haneke ficam claras quando a voz do narrador em off afirma, literalmente, que a forma como o povoado lida com aquilo tudo pode ter sido um prenúncio dos eventos que sucederiam no país todo, anos depois.





Aos poucos, a misteriosa série de violências cometidas indistintamente contra crianças e adultos do lugar insinua uma espécie de ritual de punição, cujos objetivos e algozes não se apresentam com clareza exata. O que cintila em A Fita Branca é a fonte de autoritarismo, rigor e insensibilidade onde a ideologia nazista bebeu e encontrou forças para disseminar-se. De maneira quase pedagógica, Haneke demonstra ao longo do filme como aquela Alemanha em microcosmo viva sob a égide desses valores, reproduzidos no âmbito do poder público, da escola, da igreja e do lar.

O roteiro também demonstra como não havia distinção de classe quanto à filiação a esses princípios – da aristocracia rural,representada pelo barão, ao camponês mais simplório, passando pela burguesia do médico e do clero, representada pelo pastor, todos os adultos do vilarejo impõem uma educação severa e brutal aos filhos. O Pastor vivido por Ulrich Tukur, por exemplo, surge como um verdadeiro monstro em seus esforços de “educar” os vários filhos através da repressão de qualquer manifestação de individualidade ou curiosidade – e a “fita branca” que dá título ao projeto e que ele encara como um símbolo de “inocência e pureza” é, na realidade, uma amarra do próprio espírito humano.

É impossível ignorar que os jovens vistos ao longo da projeção são integrantes daquela geração que finalmente levará o Nazismo ao poder, propiciando uma das maiores tragédias sociais, políticas e humanas da história. E não é difícil perceber que, de acordo com Haneke, esta catástrofe se tornou inevitável a partir do momento em que acompanhamos a juventude sendo corrompida pela amarga, ressentida e apodrecida geração anterior.



Ainda que a referência ao nazismo seja evidente, inclusive na etiquetação das pessoas como forma de segregá-las das demais – que seria repetida por Hitler com os judeus –, Haneke disse em uma entrevista publicada na revista americana New Yorker no final do ano passado, Heineke reiterou que prefere que A Fita Branca seja compreendido para além da especificidade da história: “Não ficaria feliz se esse filme fosse visto como um filme sobre um problema alemão, sobre o nazismo. Este é um exemplo, mas significa mais que isso. É sobre um grupo de crianças, que são doutrinadas com alguns ideais e se tornam juízes dos outros – justamente daqueles que empurraram aquela ideologia goela abaixo deles”.






Como no título do primeiro e impactante filme alemão rodado depois da II Guerra, Os Assassinos Estão Entre Nós (1946), o diretor lembra nessa obra-prima que é A Fita Branca que, a despeito de suas mais íntimas e singulares perturbações, os monstros também são fruto das sociedades em que convivem. E no filme, como na vida real,barbaridades são cometidas em nome da religião, dos bons costumes e do bem estar da sociedade.