segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Um 'noir' com as cores de Almodóvar



A metalinguagem é o principal elemento de Abraços Partidos, o 17º filme da carreira do diretor e roteirista espanhol Pedro Almodóvar. Ele já tinha demonstrado o seu amor pelo cinema em produções como Má Educação e Fale com Ela e autorreferências em diversos outros filmes. Mas em Abraços Partidos Almodóvar vai mais longe e resolve levar essa metalinguagem ao extremo, realizando dois filmes ao mesmo tempo; uma comédia ( sua especialidade) e um filme noir, com todos os elementos imortalizados pelo gênero. O resultado fica acima da média porque, um Almodóvar, ainda que menor, é sempre um Almodóvar e não há como não respeitar a capacidade, talento e criatividade do espanhol.

No primeiro filme de Abraços Partidos, o espectador conhece um ex-cineasta e roteirista cego, Mateo Blanco (Lluís Homar). O ano é 2008. Desmotivado com a impossibilidade de exercer sua profissão por completo, ele prefere ser chamado de Harry Caine e não perde a chance de vender sua capacidade de escrever para diretores comerciais. Caine divide um pequeno apartamento com sua agente Judit Garcia (Blanca Portillo) e seu filho Diego (Tamar Novas), mas nada impede que eventualmente ele traga seus casos amorosos para casa. A visita de um jovem que se diz cineasta, no entanto, traz de volta a lembrança do grande amor de sua vida, uma bela e talentosa atriz, com quem viveu há 14 anos.

A jovem em questão é Lena ( ou Madalena),uma jovem que sempre sonhou em ser atriz mas que trabalhava como secretária do famoso empresário Ernesto Martel (José Luis Gomes) e que nos momentos de aperto financeiro, se transformava em uma garota de programa. Quando o pai da moça precisa ser tratado de um câncer, ela acaba se transformando em amante do patrão com quem vive durante dois anos. A coisa muda quando ela resolve fazer um teste para participar da primeira comédia de Mateo Blanco. Garotas e Malas a afasta do empresário e a leva para os braços de Blanco, em uma paixão tão tórrida quanto proibida.

O melhor do filme é certamente Almodóvar mostrando ao público como se faz um filme de Almodóvar, um filme de autor. O cineasta defende, como nenhum outro, o cinema autoral. A pré-produção, as filmagens e a pós-produção são mostradas como etapas que necessitam da participação direta do diretor da fita, pelo menos se o seu interesse é defender uma visão única de mundo ou de cinema. E Mateo Blanco faz questão de trabalhar intensamente. Garotas e Malas, o filme dentro do filme, é um Almodóvar à antiga: releitura kitsch de comédias de relacionamento e de melodramas hollywoodianos dos anos 50. Ao mesmo tempo Garotas e Malas se apresenta como uma releitura de Mulheres à Beira de Um Ataque de Nervos (1988), comédia que serve de contraponto, ajudando a ressaltar o drama vivido Mateo Blanco e Lena nos bastidores do filme.



O lado comédia de Abraços Partidas só ressalta a capacidade de Almodóvar em explorar esse gênero cinematográfico. Se o suspense do filme deixa a desejar, o lado comédia funcional perfeitamente. E a maior parte das risadas são resultado das participações especiais de atrizes que costumavam trabalhar com o diretor , entre elas Kiti Manver, Chus Lampreave e Rossi de Palma. Outro personagem com uma função cômica é Ray-X ou Ernesto Junior, o filho gay de Ernesto Martel que busca vingança contra o pai. Embora seu papel seja seja prejudicado pelo roteiro ao não lhe dar um final e um desenvolvimento apropriado, a atuação de Rubén Ochandiano compensa tudo, com os seus trejeitos femininos e personalidade psicopata.

Atuando em sua língua materna Penélope Cruz é o grande trunfo dos dois filmes. Se o filme fosse simplesmente ruim ainda assim valeria a pena pelas cenas em que Penélope Cruz aparace fazendo caras e bocas de Audrey Hepburn. Não há expressão de cinefilia mais pura e descomplicada do que o entrosamento entre diretor e atriz.

Não convém falar muito de Abraços Partidos, mas vale dizer que o filme se destaca em alguns aspectos, como o fato de ser um filme noir com as cores saturadas que tornam o cineasta uma referência e principalmente por mostrar Almodóvar apaixonado por suas comédias, pelo cinema e por Penélope Cruz e por sapatos vermelhos de salto alto.



FICHA TÉCNICA
Diretor: Pedro Almodóvar
Elenco: Penélope Cruz, Lluís Homar, Ángela Molina, Carmen Machi, Blanca Portillo, José Luis Gómez, Tamar Novas, Rubén Ochandiano.
Produção: Agustín Almodóvar
Roteiro: Pedro Almodóvar
Fotografia: Rodrigo Prieto
Trilha Sonora: Alberto Iglesias
Duração: 128 min.
Ano: 2009
País: Espanha
Gênero: Drama
Cor: Colorido
Distribuidora: Paramount Pictures Brasil
Estúdio: El Deseo S.A. / Universal International Pictures
Classificação: 14 anos