terça-feira, 2 de julho de 2013

Um livro lindo de doer ou Caio Fernando Abreu além das redes sociais

 
A Vida Gritando nos Cantos  reúne um apanhado de crônicas publicadas nos anos 80 e 90,  com o autor falando sobre política e cultura, relacionamentos , AIDS, com pintadas de humor, nostalgia e sarcasmo.
“Parem o mundo que eu quero descer. Só um pouquinho. Não vai atrapalhar ninguém.
Deixa ei descer do mundo, que tá duro demais. Ou pelo menos descer do Brasil, que, se o mundo está duro assim, este país então está insuportável... Senhores comandantes desta coisa pobre, louca, doente e suja que nem sei mais se posso chamar “Brasil”. Vossas excelências sabem o que está acontecendo nesta terra. Parece que não. Os senhores nunca andam nas ruas? Não veem a cara das pessoas? Estou cobrando meus direitos; porque não está dando nem para comer, nem para vestir, nem para morar, e muito menos para sonhar. Aí fica mais grave, porque os senhores não têm o direito de matar sonhos. E não venham nos pedir mais paciência. Estamos muito machucados, explorados e enganados para ter essa coisa mansa chamada paciência...”
Não. Este texto não está nas redes sociais e nem tampouco é assinado por um dos milhares de manifestantes do movimento Vem Pra Rua.  Este texto integra o livro A Vida Gritando nos Cantos, uma compilação de crônicas escritas por Caio Fernando Abreu entre 1986 e 1996 – ano de sua morte - e publicadas juntas pela primeira vez em forma de livro pela editora Nova Fronteira no segundo semestre de 2012 e que  comprei na semana passada, movida por um impulso nostálgico, que me fez ter vontade  reviver os anos de faculdade e mesmo os meus tempos de redação de jornal, quando resenhava seus livros.
As crônicas que compõem esta antologia foram garimpadas no periódico paulista pelas pesquisadoras Liana Farias e Lara Souto Santana. O texto acima, Um Prato de Lentilha, representa maravilhosamente bem não somente esse nosso momento de protesto, mas o que a gente vem vivendo há tanto tempo neste Brasil que chega a entristecer. A crônica foi publicada em O Estado de São Paulo no dia 18 de fevereiro de 1987 e não poderia ser mais atual.   O título se refere a um texto de Brecht que dizia: “ Trazei primeiro um prato de lentilhas/ porque moral, somente depois de  comer”.
109 crônicas depois - Isso mesmo, eu contei – dá pare entender porque Caio Fernando Abreu é considerado por muitos um dos autores de maior expressão das décadas de 1970 a 1990. E não é para menos. Embora ele próprio tenha exclamado, em carta ao amigo José Márcio Penido, “Meu Deus, como sou típico, como sou estereótipo da minha geração”, o que escreveu não é absolutamente datado. Seus contos, crônicas, romances, poemas e peças de teatro transitam por temas altamente atuais, ao mesmo tempo em que abordam questões universais, atemporais. Não é à toa que a cada dia vêm ganhando novos fãs, das mais variadas idades, seduzidos por suas ideias e ideais.
O livro é lindo de doer – para usar uma expressão da geração do próprio Caio Fernando – e, por ser organizado de forma temporal, o leitor pode acompanhar a literatura confessional de Caio semana a semana. Está tudo lá: somos testemunhas de seu amadurecimento como artista e pessoa. O que ele gostava de ver, de ouvir, de ler.  Os assuntos são os mais diversos possíveis: o cotidiano paulistano, os trabalhos jornalísticos, os amigos loucos, as noites no Madame Satã, a solidão... tudo regado à MPB – nem a velha nem a nova, apenas MPB. São textos que cobrem no máximo duas páginas, que podem ser absorvidos sem dificuldades, cheio de referências.
É interessante acompanhar as aventuras do escritor pela noite de São Paulo aos 30 anos, falando de Anjos da Barra Pesada, de Beta, beta, Bethânia pedindo licença ao rock and roll para cantar o amor”. Anos depois, passeando por noites menos agitadas, já por conta do fantasma da AIDS, que nos primeiros textos sobre a doença é tratada com medo, ainda distante, e que, mais tarde se transforma em uma realidade feroz. É possível também acompanhar as mudanças – não tantas assim, a julgar pelo texto que abre esse comentário – do Brasil. Ditadura, Sarney, Collor, FHC... Está tudo lá, na dualidade real/ não real característica da crônica, que sempre quis ser literatura no mundo dos jornais e realidade na ficção. E neste contexto, Caio não é somente testemunho da realidade, autor, mas também personagem de sua própria literatura. Resultado: o leitão conhece melhor Caio F não somente como escritor, mas como pessoa, suas qualidades, defeitos, suas manias...

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Um grande filme. Só que não




 Baz Luhrman investe tanto no brilho, nas festas e no clima dos chamados "anos loucos'' e esquece as sutilezas literárias de O Grande Gatsby

Não esperava muito da versão do cineasta australiano Baz Luhrman para “O Grande Gatsby”, o romance de F. Scott Fitzgerald que ficou famoso por mostrar como funcionava a vida da “geração perdida”, que dominou em parte a ficção norte-americana entre os anos 20 e 30. Luhrman já tinha exagerado nos maneirismos visuais e narrativos de ”Moulin Rouge - O Amor em Vermelho”. E também porque ele conseguira rasgar a aura sagrada de uma das mais célebres tragédias de William Shakespeare, com sua versão modernosa da história de amor mais conhecida do mundo, em Romeo + Juliet (1996).

Mesmo sem grandes expectativas, assistir a segunda adaptação para o cinema do romance clássico do escritor norte-americano F. Scott Fitzgerald (1896-1940), lançado originalmente em 1925, não é uma experiência das mais fáceis. Principalmente pelo fato de ter assistido a primeira, dirigida por Jack Clayton com o eternamente charmoso Robert Redford no papel-título.

O Gatsby de Luhrman é um grande filme. Só que não. O cineasta investe tanto no brilho, nas festas e no clima dos chamados "anos loucos'', que acaba negligenciando as sutilezas da obra literária em que foi beber. A produção fica há anos luz de distância da forma elegante, ainda que cruel com que Fitzgerald retrata os bastidores da alta sociedade nova-iorquina dos anos 20, na qual pontifica o triunfante e trágico “self made man” Jay Gatsby.

Diferentemente do livro e da conhecida adaptação de 1974 estrelada por Robert Redford e Mia Farrow, a história desta vez é contada em flashback pelo narrador, Nick Carraway (Tobey Maguire). Aspirante a escritor e corretor da bolsa de Nova York, Carraway vai passar o verão de 1922 na opulenta região litorânea de Long Island, onde sua prima, Daisy (Carey Mulligan), vive com o marido milionário, Tom (Joel Edgerton). A casa modesta alugada por Carraway é próxima ao palacete de Jay Gatsby (Leonardo DiCaprio) figura excêntrica que fez fortuna de forma nebulosa.

 Enquanto a história é contada através do olhar deslumbrado de Nick, e o protagonista não entra em cena, o filme se sustenta, porque, de certa forma, compartilhamos a sua perplexidade, mas na medida em que o foco narrativo se desloca de Nick para se concentrar no amor obsessivo de Gatsby por Daisy, que o desprezou no passado por ser um pobretão, o filme descamba.

Baz Luhrmann banaliza a crise de valores e a crítica que Fitzgerald faz do sonho americano e passa longe de carregar os dramas pessoais de seus protagonistas sempre confrontados diante do estado de coisas do mundo em que vivem. O cineasta troca a força do contundente discurso do escritor por um cinismo que não satiriza criticamente, nem, muito menos, preserva a potência do livro de F. Scott Fitzgerald.

DiCaprio, que estrelou a versão do australiano para o drama de Skakespeare, evolui sensivelmente como ator e, como tal empresta a dignidade que falta ao projeto como um todo.
O ponto alto do filme é a introdução de Gatsby em meio a grande festa em sua mansão ao som de "Rhapsody in Blue", de George Gershwin, a melhor tradução dos loucos anos da década de 1920, a era do jazz. Carey Mulligan é bem mais interessante que Mia Farrow, mas Joel Edgerton fica devendo muito a interpretação de Bruce Dern. Tobey Maguire não decepciona.

Quem decepciona mesmo é o exagerado cineasta que em “O Grande Gatbsy” exagera até mesmo no figurino e na mistura de gêneros musicais na trilha sonora. Só mesmo Luhrman para misturar Beyoncé, will.i.am, Fergie, Lana Del Rey, Florence Welch, Emeli Sandé, The XX com o jazz dos anos 1920 e os irmãos George e Ira Gershwin.  O filme até se dá ao direito de fazer releituras de canções contemporâneas, como “Back to Black”, que ficou famosa na voz de Amy Winehouse. E de melindrosas dançaram na batida de Jay Z e Kanye West. No exagero sonoro, destaque para a música “Young and Beautiful”, da Lana Del Rey, que foi gravada especialmente para o filme e já entrou no topo do ranking da Billboard.

A fotografia - cheia de usos de zoom -, as luzes e a edição são exploradas em ritmo de videoclipe acelerado que não faz nenhum bem à história. Sem contar que as festas regadas a música eletrônica, mais parecem uma grande rave. Quem curte efeitos visuais, vai perder o fôlego em cada cena de “O Grande Gatsby”. A produção não economizou em computação gráfica. Cores explodem por todos os lados. Fogos de artifício, serpentinas, balões, flores, esculturas de jardim… Tudo é intenso, luxuoso e colorido.  F. Scott Fitzgerald merecia mais respeito.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Os vencedores do Oscar 2013

Filme: “Argo”, de Ben Affleck
Diretor: Ang Lee (“As aventuras de Pi”)
Atriz: “Jennifer Lawrence (“O lado bom da vida”)
Ator: Daniel Day-Lewis (“Lincoln”)
Atriz coadjuvante: Anne Hathaway (“Os miseráveis”)
Ator coadjuvante: Christoph Waltz (“Django livre”)
Roteiro original: “Django livre”
Amour2Roteiro adaptado: “Argo”
Filme estrangeiro: “Amor”, de Michael Haneke (Áustria)
Fotografia: “As aventuras de Pi”
Montagem: “Argo”
Figurino: “Anna Karenina”
Maquiagem e penteado: “Os miseráveis”
Documentário: “Searching for Sugar Man”, de Malik Bendjelloul
Longa de animação: “Valente”, de Mark Andrews, Brenda Chapman e Steve Purcell
Efeitos especiais: “As aventuras de Pi”
Trilha sonora: “As aventuras de Pi”
Canção original: “Skyfall”, de “007 — Operação Skyfall”, de Adele
Direção de arte (Design de produção): “Lincoln”
Curta-metragem de ficção: “Curfew”, de Shawn Christensen, “Paperman” (animação) e “Inocente”, de Sean Fine e Andrea Nix (documentário)
Mixagem do som: “Os miseráveis”
Edição de som: “007 — Operação Skyfall” e “A hora mais escura” (empate)