domingo, 18 de dezembro de 2011

O tesouro musical de Amy Winehouse






Qualidade de “Lioness: Hidden Treasures” supera oportunismo dos produtores do disco póstumo da cantora britânica, lançado na segunda-feira, 5

Um disco póstumo lançado menos de seis meses após a prematura morte de Amy Winehouse e bem no período natalino? Dá para desconfiar da jogada pra lá de comercial. É realmente difícil não conceber o lançamento de “Lioness: Hidden Tre­asures” como um caça-níquel oportunista que aproveita a conveniência do Natal para pegar o boom das vendas de final de ano.

A desculpa dos produtores Salaam Remi e Mark Ronsons, encarregados de recompilar o material desse novo álbum, é que Amy deixou “uma coleção de temas que mereciam ser escutados” e que era um “verdadeiro legado” da cantora. O disco reúne gravações que Amy realizou antes, durante e após os lançamentos de seus dois únicos discos, “Frank” e “Back to Black”.

Independentemente da suposta ganância dos que lançaram o álbum, não dá para menosprezar a capacidade dos produtores envolvidos nesse projeto, simplesmente pelo fato dele ser muito bom. Embora tenha sido lançado em uma época duvidosa, é possível perceber que as intenções ali foram mais que financeiras. Também é compreensível essa “urgência”, já que não se tinha um novo álbum de Amy Winehouse há anos. E mesmo não trazendo Amy em seu auge, a coletânea tem momentos interessantes e contribui ao legado da inglesa, consolidado e que deve ser relembrado sempre.

Não que “Lioness: Hidden Treasures” seja um disco de inéditas. A maioria das faixas já é conhecida do público em versões demo ou gravações avulsas. Bom mesmo é saber que quando gravou as canções — grande parte delas — Amy ainda não tinha prejudicado sua voz com o excesso de bebida e drogas e por isso mesmo o disco destaca a segurança vocal da artista.

É comovente a serenidade que Amy Winehouse emprega, por exemplo, aos versos da versão reggae que faz de “Our Day Will Come”, clássico de Ruby and The Romantics que também fez sucesso na voz melodiosa de Karen Carpenter, do duo Carpenters. O registro que se ouve em “Lioness: Hidden Treasures” é de 2002 e nele Amy disserta com segurança sobre como — ironicamente — tempos melhores estariam por vir.

Outra canção que também fez sucesso na voz dos Carpenters é “A Song For You”, música de Leon Russell gravada pela primeira vez por Donny Hathaway. A voz está completamente diferente da música que abre o disco e isso se justifica pelo fato de Amy tê-la gravado quando estava sob o efeito das drogas em 2009, em um take, com Amy ao violão. Mas a voz ainda soa poderosa.

A dedicação e entrega da artista a homens de caráter duvidoso, presença constante em suas canções está em “Between The Cheats”. Sedutora, Amy canta que o rapaz, depois de muito tempo, “ainda a faz enrubescer”, e o coro masculino no refrão reforça a sensação de que ela parece voar em devaneios apaixonados. Amy registrou a canção em maio de 2008, para seu terceiro álbum, jamais lançado.

Para os brasileiros “Lioness: Hidden Treasures” traz um presente especial: ‘Garota de Ipanema”, maior sucesso comercial da dupla de compositores Tom Jobim e Vinicius de Moraes. Referência inevitável de música brasileira para artistas estrangeiros, foi a primeira que Amy cantou aos 18 anos quando foi a Miami pela primeira vez para gravar com o produtor Salaam Remi em 2002. A cantora britânica abusa do scat singing — técnica de canto que consiste em se cantar vocalizando tanto sem palavras, quanto com palavras sem sentido e sílabas — no melhor estilo “badabauê”—, e o acompanhamento é sutil, de bateria e violão. Ao fundo, um arranjo de violinos. Mas quem desejava ver Amy cantando em português vai se desapontar. Ela interpreta a versão em inglês, “The Girl From Ipanema”, de Norman Gimbel.

“Will You Still Love Me Tomorrow” e “Valerie” representam as releituras mais conhecidas. Coverizando Carole King, Amy mostra que a letra de “Will You Still Love Me Tomorrow”, embora não seja sua, sempre ganha vida de forma autêntica em sua voz. A música foi gravada para a trilha sonora de “Bridget Jones 2 — A Idade da Razão”. A dúvida sobre o amor que lhe é dispensado traz uma certa ingenuidade: “Isso é um tesouro duradouro/Ou apenas um momento de pra­zer?/Posso acreditar na mágica de seus suspiros?/Você ainda vai me amar amanhã?”, cantou em 2004.

Um dos grandes serviços de Amy Winehouse à música foi alavancar as alturas “Valerie”, canção do grupo The Zuttons, de Liverpool. No CD ela é apresentada em uma versão mais lenta, registrada em dezembro de 2006. Amy gravou essa música de várias formas, mas é impossível achar um registro dessa canção, na voz de Winehouse, que seja apenas razoável. Amy tornou o cover mais interessante do que o original.

“Tears Dry” e “Wake Up Alone” pertencem à categoria de faixas demos. A primeira, uma versão menos “poderosa” de “Tears Dry On Their Own”, surge muito mais lenta, mas não menos honesta que a canção incluída depois no CD “Back to Black”. A gravação é de 2005. Já a segunda teve sua gravação como demo da primeira canção registrada especialmente para “Back to Black”, em março de 2006. Ela soa mais limpa e básica e funciona muito bem, ao transmitir a real angústia de sua criadora.

“Like Smoke”, um dos duetos do disco é a mais fraca da coletânea. Gravada em colaboração com o rapper Nas, em maio de 2008, parece narrar um embate fadado ao fracasso. O outro dueto, “Body and Soul”, que Amy gravou com o cantor americano Tony Bennett para o álbum “Duets II”, lançado em setembro, foi a última gravação oficial da cantora, feita em março de 2011. Um grande encontro de artistas.

“Best friends” é a música com a qual Amy abria os shows do álbum “Frank”, registro de fevereiro de 2003. O ritmo alegre esconde uma mensagem oposta: o descaso com o parceiro não é disfarçado e Amy desdenha, debocha, dizendo que no fim, eles “ainda são melhores amigos, certo?”.

Um dos grandes méritos de Amy Winehouse era conseguir transmitir o que sentia em absolutamente tudo o que cantava, estivesse em seu auge ou nos seus dias menos esperançosos. Esse álbum é a confirmação disso e, portanto, a confirmação de seu talento.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Emmylou Harris rumo ao décimo-terceiro Grammy




"Hard Bargain" resume o pensamento de Emmylou Harris não só sobre si mesma, mas também sobre gerações, mentores, amigos mortos, filhos e netos, mortalidade e fé
Emmylou quem? Você pode não conhecer Emmylou Harris, mas certamente já ouviu a voz desta extraordinária cantora. Afinal são nada menos do que 40 anos de carreira, 12 Grammy nas mais diversas categorias e parcerias musicais lendárias que vão de Gram Parsons, The Band, Linda Ronstadt, Roy Orbison, Dolly Parton, Mark Knopfler, Guy Clark, Donna Summer, Willie Nelson, Bob Dylan, Rodney Crowell, Vince Gil, Sheryl Crown, Lucinda Willians, Nancy Griffith e Neil Young. Sem contar o impressionante conjunto de trabalhos solos de fazer inveja aos colegas do cenário musical.
O décimo-terceiro Grammy pode ser levado para casa graças a Hard Bargain, (Nonesuch Records) indicado no último dia de novembro na categoria Best American Album (Melhor Disco Americano). Os concorrentes de Ms. Harris são fortes: “ Blessed”, de Lucinda Williams (Lost Highway Records); ”Pull Up Some Dust And Sit Down”, de Ry Cooder (Perro Verde Records LLC/Nonesuch); ”Ramble At The Ryman”, de Levon Helm (Vanguard/Dirt Farmer Music) e “Emotional Jukebox”, de Linda Chorney (Dance More Less War Records).
Emmylou Harris sempre pautou sua carreira pela simplicidade, nunca se rendeu às tentações do estrelato e ao longo dessa trajetória não faltaram elogios à sua gentileza de emprestar a voz a pequenos e grandes artistas aparecendo simplesmente como backing vocal. É esta mesma simplicidade que caracteriza “Hard Bargain”, o vigésimo-primeiro disco solo (sem contar as coletâneas de grandes sucessos, edições especiais...). Com o produtor Jay Joyce na guitarra e piano e Reaves Gilles na percussão, “Hard Bargain” tem como foco a voz de Harris, ainda transcendente aos 64 anos de idade. O disco é um dos três álbuns para os quais Harris escreveu a maioria das músicas: "Girl Red Dirt", em 2000, "Stumble into Grace,” em 2003 e agora “Hard Bargain” (ela também escreveu a maior parte do seu álbum de 1985, "The Ballad of Sally Rose", junto com seu marido na época, o compositor Paul Kennerley).
Os anos não diminuíram a pureza de sua voz que canta 11 canções originais e íntimas. Em “The Road”, por exemplo, ela lembra a parceria musical e sentimental com Gram Parsons. Olhando para trás ao longo dos anos ela canta "Ainda me lembro de todas as músicas que você cantou/ há muito tempo, quando éramos jovens / e nos divertíamos a noite toda". O relacionamento com Parsons, vale lembrar, já foi cantado por Emmylou Harris na clássica balada “Boulder to Birmingham".
Outra perda, esta mais recente, é descrita em "Darling Kate" - uma homenagem a uma velha amiga e colaboradora, Kate McGarrigle, cantora e compositora canadense de folk falecida em janeiro do ano passado. McGarrigle, mãe do cantor Rufus Wainwright era amiga de Harris desde os anos 70 e autora de “Lovis Is”, que Emmylou gravou em 1989. “Darling Kate” é um elogio lindo e comovente que evita ser piegas e fortalece a verdade emocional das outras canções do álbum que falam dos muitos desafios e armadilhas da vida.
Outra homenagem é "My Name Is Emmett Till", que conta a história de um rapaz negro de 14 anos brutalmente assassinado no Mississipi em 1955. O relato de Harris lamenta a vida que Till nunca pôde viver e imagina a geração que se lhe seguiria.
Uma balada-lamento, "Goodnight Old World", deposita esperanças num bebê recém-nascido para que ele "suavize a mágoa" deste "mundo triste"; Harris tem agora uma neta pequenina. A canção foi escrita com Will Jennings, conhecido por ter colaborado em canções de Steve Winwood.
O álbum também inclui "The Ship on His Arm", um romance valsante dos tempos da guerra. A história é inspirada nas vidas dos pais de Harris, Walter e Eugenia, que se casaram durante a Segunda Guerra Mundial. Ele era fuzileiro.
Duas das canções mais reveladoras de "Hard Bargain" versam sobre mulheres solitárias: "Nobody", que conta a vida de uma pessoa que nunca encontra "o seu único e grande amor", e "Lonely Girl": "If love can''t find me again/I''ll put it all behind me then/ "I''ll just go and learn to sing another sad love song". ("Se o amor não pode me encontrar de novo / Eu vou colocar tudo atrás de mim, então / Eu vou aprender a cantar outra canção de amor triste."
Apenas duas das 13 músicas do disco são regravações. A faixa título é um sucesso da carreira do canadense Rom Sexsmith e cantanda de forma deliciosamente descontraída por Ms Harris, acompanhada pelo banjo e guitarra. “Cross Yourself”, de Jay Joyce, é outra grande interpretação da artista.
"Hard Bargain" é o primeiro lançamento de Emmylou Harris nos últimos três anos e valeu a pena esperar. Sua voz continua suave e extremamente emotiva, daquelas que torna agradável qualquer canção. As músicas são bem escritas e ouvindo o disco é difícil acreditar que há apenas três pessoas, incluindo Emmylou, fazendo toda aquela música. São longas notas de violino, acordes de pianos equilibrados com a voz melodiosa e um ou outro som de banjo e bandolim. A percussão é sutilmente inteligente. A força e a sinceridade vocal de Emmylou Harris fazem de “Hard Bargain” mais um bom motivo para amar e admirar essa grande artista.
A propósito. O CD pode ser encontrado em versão simples e edição especial, com o CD de áudio e DVD com apresentações ao vivo de seis canções e uma entrevista exclusiva com a artista.