quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Melancolia exibe conflito existencial de proporções apocalípticas




Filme de Lars Von Trier é uma alegoria da inconformidade do homem com seu inescapável fim

“Melancolia”, filme em cartaz no Cine Lumiere, é apresentado como uma produção sobre o fim do mundo, tema recorrente do cinema mundial. O “mas” da questão é o fato de ser dirigido pelo dinamarquês Lars Von Trier. Isso faz toda a diferença. Claro que o filme tem efeitos especiais impactantes como a da colisão do planeta Melancolia com a Terra. Em sua essência, porém, o filme é um ensaio sobre a catastrófica condição do ser humano em entender sua própria finitude.
Quase obscurecido pela polêmica em torno do suposto nazismo de Lars Von Trier, que ele revelou na coletiva de imprensa do filme, quando de sua exibição no festival de Cannes do ano passado – o que provocou sua expulsão do evento –, Melancolia entra nos cinemas do Brasil em tempo recorde. O filme ainda vai estrear nos Estados Unidos em novembro e até mesmo na Europa só chegou a poucos países. Melhor para os cinéfilos brasileiros, que têm a chance de ver primeiro o excelente filme do diretor dinamarquês, que é um grande cineasta, independentemente de suas polêmicas declarações. E vale lembrar que o cineasta foi expulso de Cannes, mas a produção continuou na competição e acabou arrebatando o prêmio de melhor atriz, entregue a Kirsten Dunst, merecidamente. Não fosse o título de ”persona non grata” conquistado contra sua vontade, Von Trier teria provavelmente levado uma Palma de Ouro no festival francês.
Assim como em “Anticristo” (Antichrist, 2009), filme anterior do diretor, a sequência de abertura traz um prólogo impactante. Lars von Trier hipnotiza o espectador com cenas filmadas em câmera lentíssima, de estética visual de videoarte e trilha sonora feita de excertos do prelúdio da ópera “Tristão e Isolda”, de Wagner. Depois de mostrar a colisão de um planeta gigantesco contra a Terra, ao som de música ultrarromântica, o filme muda bruscamente de ritmo e o cineasta conta o que seriam os últimos dias do mundo através de duas irmãs, Justine e Claire, interpretadas pela americana Kirsten Dunst e pela francesa Charlotte Gainsbourg, vencedora em 2009 do prêmio de melhor atriz em Cannes por “Anticristo”.
Anunciado a princípio como uma versão para o cinema da peça As Criadas, de Jean Genet, Melancolia acabou mantendo da obra do escritor e dramaturgo francês apenas a estrutura calcada na relação de duas irmãs, o nome de uma das personagens (Claire) e o clima de tragédia iminente. Kirsten Dunst é Justine, uma publicitária que entra em crise no dia do casamento. A primeira cena é engraçada e mostra um motorista tentando manobrar uma limusine numa estrada estreita. Tudo é maravilhoso, mas Justine não consegue se entusiasmar. A cerimônia transforma-se numa comédia de erros com a noiva entrando em parafuso. A ilusão esmaece e o desastre se complementa com personagens problemáticos, típicos do universo de Von Trier – mãe niilista (Charlotte Rampling, sempre bem), pai ausente (John Hurt) e o chefe inescrupuloso da noiva (Stellan Skarsgård, pai de Alexander).
A festa de casamento é registrada por uma instável câmera no ombro, o que lembra outra produção dinamarquesa, “Festa de Família”, que Thomas Vinterberg (parceiro de Von Trier no manifesto Dogma 95) dirigiu em 1998. O clima de felicidade artificial, quase histérica, se dilui na medida em que a noiva vai mergulhando num estado de melancolia paralisante. “Quando tento caminhar, sinto um fio de lã, cinza e grosso, enrolado às minhas pernas”, ela confidencia.
A segunda parte da produção leva o nome da outra irmã, Claire. A ação se passa tempos depois do fracassado casamento no mesmo local onde aconteceu a festa: um luxuoso palacete à beira-mar. Ao lado do marido John (Kiefer Sutherland) e do filho, Claire espera a chegada de uma catatônica Justine – que nem consegue pegar um taxi sem a orientação da irmã - para juntos assistirem a passagem do planeta Melancolia, que está cada dia mais próximo da Terra. Justine serve como alter ego do cineasta. Vítima de uma depressão patológica, que o diretor já experimentou mais de uma vez, Justine não tem energia para caminhar, comer ou tomar banho e dá à Dunst a chance de brilhar como atriz.
Nesta segunda parte da produção, a ação se concentra na relação de Claire com a irmã, o marido e o filho. Melancolia, o planeta que no início era apenas uma estrela de brilho avermelhado, agora segue trajetória de colisão com a Terra. Claire teme, por ela e pelo filho, que as profecias pessimistas se concretizem e o fim do mundo esteja próximo. Seu marido, um astrônomo amador, garante que o planeta não está em rota de colisão com a Terra e tenta dissuadi-la ao colocar panos quentes na realidade. E acaba se revelando como um dos tipos hipócritas e covardes da obra de Trier. Claire, no entanto, não está tão segura disso, e se angustia cada vez mais com o possível desastre. Justine, ao contrário, vai saindo aos poucos da depressão profunda à medida que Melancolia está mais próximo. Diante da iminência da catástrofe, caberá à deprimida protagonista se revelar sábia e forte para lidar com a situação. É a única a perceber o inevitável: um dia todo mundo morre.
O mais instigante de Melancolia é a forma com que o cineasta revela as personalidades de suas protagonistas, que, segundo ele, podem ser vista com os dois lados da mesma pessoa. Na primeira parte do filme, dedicado à catatônica Justine, tudo é filmado em um tom amarelo quente. E quando coloca em cena o descontrole da aparentemente autoconfiante irmã mais velha, Von Trier usa o azul frio do que ele chama de a luz de Melancolia. Ela pode ser tanto o azul do ameaçador planeta como o da própria melancolia, já que blue, em inglês, significa tanto azul quanto triste.


2 comentários:

  1. Claro que vou ver isto!! Por motivos óbvios!!!!!
    Tânia

    ResponderExcluir
  2. Também quero ver Melancolia. Lars Von Trier é muito bom. Adorei Dogville.

    ResponderExcluir