quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Assalto ao Banco Central é uma grande roubada


A mais cinematográfica ação da história de assalto a banco do País ganha versão insignificante e sem emoção


Embora tenha construído minha carreira jornalística usando como matéria-prima o audiovisual, atuando por quase 30 anos como crítica de cinema, nunca gostei de novelas de TV. Admiro o padrão de qualidade global e acho que a TV tem uma linguagem muito especial e cativante, mas, acostumada a ver histórias que se desenrolam com começo, meio e fim em cerca de duas horas, nunca tive muita paciência para esperar o desenrolar das histórias dia após dias. Essa impaciência acabou fazendo com que eu implicasse um pouco com o cinema nacional que utiliza os atores de TV para protagonizarem suas histórias. Vendo os filmes nacionais (não todos, é claro), eu ficava sempre com a impressão de estar assistindo TV em uma tela grande.

Foi justamente essa impressão que tive assistindo “Assalto ao Banco Central”, dirigido por um dos mais bem-sucedidos diretores de televisão no Brasil, Marcos Paulo. Além de usar um elenco global, o diretor imprime características da TV à produção. E a primeira impressão que se tem é de estar assistindo um piloto de uma série policial de TV. O filme conta, com direito a elementos ficcionais, uma história real, que movimentou a cidade de Fortaleza em agosto de 2005. Numa ação por si só cinematográfica, bandidos levaram mais de R$ 160 milhões da filial cearense do Banco Central. Eles cavaram um túnel de 80 metros de extensão e 70 centímetros de largura para chegar ao caixa-forte do prédio. O circuito interno de TV não gravou nada. A edição mescla cenas da preparação com detalhes do que aconteceu depois, como a perseguição que sofreram por parte de um delegado da Polícia Federal e sua assistente, além da extorsão praticada por dois policiais corruptos.

Tinha tudo para ser um grande filme. A começar pelo currículo de seus realizadores e intérpretes. Renê Belmonte, o roteirista, por exemplo, é autor de várias comédias de sucesso (“Sexo, Amor e Traição”, “Se Eu Fosse Você 1 e 2”). Marcos Paulo dispensa comentários. Lima Duarte também, mas aqui merece. Primeiro Belmonte, que se arriscou ao afastar-se da realidade e optar pela criação de um enorme leque de personagens — influência, talvez da produção americana “Onze Homens e Um Segredo”. Resultado: não teve tempo de conferir personalidade a seus personagens, que acabaram sendo apresentados como meros esboços.

O chefe do bando é Barão (Milhem Cortaz, sempre um bom ator). Aqui ele aparece como um manda-chuva bem alinhado e com cara de mau. De origem rica, o bandido planeja e comanda a ação. Ele trabalha apenas como o cérebro do roubo e reúne os comparsas prometendo a cada um deles R$ 2 milhões. E como o roteirista mostra que ele é o cérebro da ação? Colocando para jogar xadrez sozinho. Muito pobre. Ao lado do Barão aparece Carla (Hermila Guedes, maravilhosa em “O Céu de Suely”), sua namorada, uma típica perua com ares de mulher fatal. Aqui ela parece uma atriz de novela da Globo. Mineiro (Eriberto Leão) é o bandido boa pinta que Barão procura para organizar o bando. Mineiro tem fama de trambiqueiro profissional e várias identidades. Difícil de acreditar, principalmente por conta do bom mocinho que o ator interpreta em “Insensato Coração”.

O destaque do elenco, se é que se pode chamar de destaque, é Tonico Pereira no papel de um engenheiro comunista, encarregado de supervisionar a construção do túnel a partir de uma empresa de fachada nas redondezas. Seu recrutamento é ideológico. Tonico rouba a cena sempre que aparece e o faz sendo o Tonico Pereira que a gente conhece e que o transformou em um dos melhores coadjuvante do cinema nacional.

Lima Duarte, um bom e respeitado ator, também é o Lima Duarte que a gente vê na novela das seis, das sete ou das oito. Ele tenta até ser engraçado interpretando um delegado da velha escola da polícia, mas acaba desperdiçando suas cenas porque parece estar atuando no piloto automático.

Giulia Gam, que na época das filmagens não escondia sua empolgação com o treinamento feito na Polícia Federal e com a consultoria da força policial nacional ao filme, deve ter se decepcionado. A começar pelo fato de sua relação amorosa com outra mulher, um tema que deveria ser melhor explorado, ter sido incluído de forma tão grosseira no filme. E a Vinícius de Oliveira, conhecido como o garotinho de “Central do Brasil”, coube o infame alívio cômico: ser um atrapalhado homossexual evangélico.

Não se pode culpar Marcos Paulo pela insignificância do filme. Afinal ele tem 30 anos de experiência na televisão, Marcos Paulo nunca tinha dirigido um filme antes. E deixa isso claro. Ele não deve ter assistindo nenhum filme de assalto a banco feito pelo cinema americano. Podia ter sido até “Trapaceiros”, de Woody Allen (em que o cineasta comanda um grupo de bandidos trapalhões que cavam um túnel para roubar um banco) ou quem sabe “Um Plano Perfeito”, estrelado por Clive Owen e Jodie Foster. Ele teria algumas dicas de como usar o humor em uma produção do gênero ou ainda como fazer um filme de ação e, ao mesmo tempo, explorar as características psicológicas dos personagens.

E a impressão que se tem ao ver “O Assalto do Banco Central” é de se estar diante de uma longa novela, infelizmente sem o padrão global de qualidade. Tudo deixa a desejar: o cenário, a trilha sonora e a narrativa não linear. E para piorar, “Assalto ao Banco Central” tem um final surrealista. O diretor não tinha, de fato, obrigação de ser fiel aos acontecimentos relacionados ao maior assalto da história do Brasil. Mas a sua versão, além de pobre, está longe de produzir bom entretenimento. O único mérito de “Assalto ao Banco Central” é despertar a curiosidade para o que, de fato, ocorreu. E para quem quiser matar essa curiosidade, a recomendação é o livro “Toupeira”, do ex-investigador da Polícia Civil de São Paulo, hoje advogado, Roger Franchini. A fonte para seus escritos são os autos do processo aberto em Fortaleza, os diferentes depoimentos e as informações que recolheu pessoalmente.

Entre a realidade e a ficção

O assalto ao Banco Central de Fortaleza é considerado o maior roubo a banco da história do Brasil. Os ladrões alugaram uma casa próxima à sede do BC na capital cearense e chegaram ao cofre por meio de um túnel. A estrutura contava com sistema de iluminação elétrica e até ventilação. Segundo a Polícia Federal, R$ 164,7 milhões foram roubados. Até hoje, foram recuperados cerca de R$ 50 milhões — R$ 30 milhões em bens. A primeira parte, 50 dias depois do crime, na casa de um dos suspeitos. A investigação levou à prisão de cerca de 120 pessoas, 37 envolvidas diretamente com o roubo. Um dos presos é Antonio Argeu, ex-prefeito de Boa Viagem, no interior cearense, acusado de financiar a execução do roubo com R$ 100 mil.

No filme, o espectador pode ver claramente que os ladrões embarcam em suas vans apenas algumas centenas de quilos de dinheiro, não toneladas. Entre as curiosidades da produção está o fato do túnel ser baixo, o que obriga os atores a se curvarem. No entanto, é alto o suficiente para que a câmera possa filmá-los. No filme os criminosos são apenas 13. Tirando os que apenas administram o processo ou cuidam de sua logística, é pouca gente para quase 80 metros de túnel. E finalmente a investigação é praticamente monopolizada pela Polícia Federal, concentrada praticamente nas mãos de dois investigadores: Chico Amorim (Lima Duarte) e Telma Monteiro (Giulia Gam).


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