terça-feira, 11 de agosto de 2009

Volta ao mundo em 32 curtas







Nostálgico ou irônico, Cada Um Com Seu Cinema explora o amor pela sétima arte em diferentes vertentes e culturas. Reunindo prestigiados diretores da atualidade, como Alejandro González Iñárritu, Walter Salles, Lars Von Trier, David Cronenberg, a cineastas alternativos de prestígio como Atom Egoyan, Wong Kar-Wai




Um passeio de 120 minutos pelo cinema mundial e uma pequena amostra de como cineastas conhecidos e admirados pelos cinéfilos de carteirinha gastaram os três minutos a que tinham direito para falar de sua paixão pelo cinema como arte e espaço físico onde se dá o encontro com o espectador. Essa pode ser uma breve descrição do conteúdo deste Cada Um Com Seu Cinema (Chacun Son Cinema), longa idealizado pelo presidente do Festival de Cannes, Gilles Jacob, para celebrar a 60ª edição do evento, no ano passado e que acaba de ganhar lançamento direto em DVD, sem passar pelo circuitão goianiense, em uma iniciativa da distribuidora Dreamland.

Reunindo prestigiados diretores da atualidade, como Alejandro González Iñárritu, Walter Salles, Lars Von Trier, David Cronenberg, a cineastas alternativos de prestígio como Atom Egoyan, Wong Kar-Wai e gente com passado de respeito como Michael Cimino, Manoel de Oliveira, Jane Campion, Abbas Kiarostami,Takeshi Kitano, Nanni Moretti, Roman Polanski, Ken Loach e Claude Lelouch, o filme é de fazer qualquer cinéfilo babar. A diversidade dos filmes prova que enquanto o entusiasmo pelo cinema é possivelmente universal, cada experiência cultural que advém dele – isso para não falar de cada espectador – é completamente única. O conjunto dos canônicos cineastas representa cinco continentes e 25 países.

O tom de nostalgia marca a maioria dos filmes, com seus realizadores focando suas histórias na decadência de algumas salas de cinema que eles freqüentavam na juventude. Outros preferem ressaltar o fato da experiência coletiva de estar no escuro de uma sala de cinema sendo substituída pela solitária experiência de ficar na frente do computador.

Só o prazer de saber que ninguém é gênio 100% do tempo já vale a experiência de ver o filme. Normal, considerando-se que como outros projetos coletivos – vide os recentes Crianças Invisíveis, Paris eu Te Amo e 11 de Setembro – também foram marcados por pequenas preciosidades misturadas a alguns momentos de pouca inspiração. Sem esquecer que a limitação de tempo em exíguos três minutos para passar o recado foi um desafio difícil de se lidar.


Zhang Yimou (Movie Night)

Bom mesmo é tentar adivinhar quem assina cada filmeto, já que o nome do diretor só aparece ao final de cada curta, com os devidos créditos. Confesso que sofri tentando descobrir quem tinha feito o que e sentindo orgulho de mim mesma por identificar alguns cineastas “de cara”.

Kiarostami integra o grupo de diretores que fala de sua paixão pelo cinema em uma sala escura, explorando o tom nostálgico nas referências aos grandes clássicos, aos grandes mestres, sem esquecer a decadência das salas “intimistas”. Ele emociona mostrando mulheres de diferentes idades que têm as mesmas reações ante a perspectiva trágica de Franco Zeffirelli em Romeu e Julieta (1968).

Diário de um espectador entrega a identidade de seu realizador ao apresentar do italiano Nanni Moretti lembrando, com bom humor momentos inusitados de sua vida de cinéfilo, como quando vibrou com Rocky Balboa ou tentou explicar ao filho de sete anos que os filmes dele não são parecidos com Matrix. Ele sabe que seu cinema não atende exatamente as demandas da sociedade, de seu filho, inclusive, mas não deixa de acreditar e apostar na heterogeneidade do cinema, dando a cada filme o seu espaço.

No quesito homenagens a grandes mestres, Fellini ganha duas lindas homenagens. A melhor delas é a de Theo Angelopoulos, que mostra o encontro de Jeanne Moreau com o fantasma de Marcelo Mastroianni, mas Andrei Konchalovski também emociona com a história de uma lanterninha que chora a cada sessão de Oito e Meio.

O francês Robert Bresson tem sua cota de homenagem. A primeira é assinada pelos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne – que já ganharam a Palma de Ouro duas vezes -, grandes discípulos do mestre francês. A segunda é de Hoa Hsiao Hsien, The Electric Princess House.

Cada Um Com Seu Cinema tem ainda alguns cineastas fazendo o que se esperava deles e por isso mesmo sendo facilmente reconhecíveis. O Primeiro Beijo, protagonizado por adolescentes, sugere que é na sala escura que acontece o primeiro beijo, momento de comunhão da realidade e ficção. Dá para imaginar quem assina? Gus Van Sant, é claro.

Tsai Ming Liang, realizador de It's a Dream, apresenta um trabalho bastante coerente com sua obra. O filme é igualmente nostálgico, ao lembrar dos filmes aos quais assistia em sua infância nos anos 70, na Malásia, e que tanto influenciaram as carreiras de outros cineastas asiáticos, como Wong Kar-wai, Chen Kaige, Zhang Yimou e Takeshi Kitano. Já Amos Gatai aborda a questão judaica tão explorada em sua filmografia e usa seu episódio como um instrumento ideológico e político. E Jane Campion é Jane Campion, com seu forçado simbolismo psicanalítico feminista, na estória de uma barata bailarina que é pisoteada num cinema.



Ken Loach (Happy Ending)

O brasileiro Walter Salles está entre os cineastas que buscaram a ambientação fora da sala de projeção, prestando um tributo a Cannes. Em frente a um cinema brasileiro que exibe Os Incompreendidos (Les 400 Coups, 1959), de François Truffaut, o brasileiro cria uma paralisante performance musical com seu filme A 8944 Km From Cannes, cujo tema é o próprio festival. O filme deixa a gente imaginando o trabalho que foi legendar a “embolada” dos artistas para o francês.

Em Anna, do mexicano Alejandro González Iñárritu, um belíssimo plano-seqüência enfatizando a emoção incontida de uma mulher cega “assistindo” O Desprezo, de Jean-Luc Godard. Roman Polanski faz piada com a história de um casal assistindo ao clássico pornô soft Emanuelle e fica incomodado pelos gemidos insistentes de um homem sentado logo atrás. O filme chama-se Cinéma Erotique.

O humor também marca o filme do quase centenário Manoel de Oliveira que, reinventando a História, mostra o encontro entre Krutchov (Michel Picolli) e o Papa João XXIII.

O sempre irreverente Lars Von Trier faz em seu filme o que todo cinéfilo gostaria de fazer com espectadores mal educados que vão para a sala escura para ficar de bate-papo ou com o celular ligado. E o que é melhor, o personagem pentelho do filme de Von Trier é um crítico de cinema.

Independentemente da nostalgia e da homenagem ao cinema, Cada Um Com Seu Cinema explora ainda os rumos do cinema diante das novas tecnologias. Atom Egoyan, por exemplo, aposta nas novas tecnologias como capacitadoras da continuidade do cinema. Em Artaud Double Bill, duas pessoas trocam mensagens de texto por celulares. Elas foram ver filmes diferentes e uma manda um vídeo do filme que está assistindo para a outra. Assim Egoyan prova que o cinema definitivamente atravessou a barreira da sala escura e estendeu sua difusão para outros formatos exibidores, com uma propagação bastante forte. E independente de onde é exibido, continua sendo capaz de emocionar.



Alejandro González Iñarritu (Anna)

O canadense David Cronenberg, por sua vez, usa No Suicídio do Último Judeu do Mundo no Último Cinema do Mundo para propor uma ficção sobre o futuro das salas de cinema. O filme tem uma única seqüência em close-up na qual um homem de meia-idade experimentando várias formas de se matar com uma pistola no banheiro de um cinema. Há uma narração em off, de dois repórteres numa transmissão em tempo real, relatando que se trata do último judeu da face da terra assim como da última sala de cinema, abandonada. Brincadeira ou crítica, Cronenberg questiona as possibilidades do cinema e a interferência da televisão em seu projeto. Atento para o direcionamento da tecnologia, ele acaba deixando em aberto o futuro do cinema, pois não há tempo para o desdobramento da sua história, narrada ao vivo.

E Ken Loach questiona se o cinema ainda é uma boa diversão. Em Final Feliz, os protagonistas, pai e filho, estão em uma fila da bilheteria, indecisos sobre a que filme assistir. A escolha é grande, afinal trata-se de um conjunto multiplex, com várias opções de sala, coisas da modernidade. Eles lêem em voz alta a programação, incomodando os demais indivíduos na fila. Filme de terror, de ação, aventura, trash, qual deles? Na boca do guichê, a bilheteira já sem paciência, o pai pergunta ao filho: e por que não vamos a uma partida de futebol? E saem felizes com a decisão tomada.

E finalmente Olivier Assayas abraça a contemporaneidade filmando sua história em digital e em uma sala de cinema em funcionamento.

O filme original, exibido em Cannes no ano passado, contava com mais três filmes que acabaram ficando de fora do DVD lançado pela Dreamland. Os filmes de Joel e Ethan Coen, Michael Cimino e David Lynch. O curta dos Coen, aparentemente realizado no set do oscarizado Onde os Fracos Não Têm Vez, Josh Brolin interpretava um caubói matuto indeciso diante de dois filmes num cinema poeirento. Já o de Cimino marcava a volta do diretor após 11 anos afastado do cinema. Já o curta de David Lynch, Absurda, é o retrato fiel de seu realizador, a começar pelo nome. Para quem se interessar, o curta-metragem de Lynch está disponível no site youtube.







FILMES PARTICIPANTES
Theo Angelopoulos (Trois minutes) - Olivier Assayas (Recrudescence) - Bille August (The Last Dating Show) - Jane Campion (The Lady Bug) - Youssef Chahine (47 ans après) - Chen Kaige (Zhanxiou Village) - Michael Cimino (No Translation Needed) - David Cronenberg (At the Suicide of the last Jew in the World, in the Last Cinema in the World) - Jean-Pierre e Luc Dardenne (Dans l´obscurité) - Manoel de Oliveira (Rencontre unique) - Raymond Depardon (Cinéma d´été) - Atom Egoyan (Artaud Double Bill) - Amos Gitai (Le Dibbouk de Haifa) - Hou Hsiao-hsien (The Electric Princess Picture House) - Alejandro González Iñarritu (Anna) - Aki Kaurismäki (Fonderie) - Abbas Kiarostami (Where is my Romeo?) - Takeshi Kitano (One Fine Day) - Andreï Konchalovsky (Dans le noir) - Claude Lelouch (Cinéma de boulevard) - Ken Loach (Happy Ending) - Nanni Moretti (Diario di uno spettattore) - Roman Polanski (Cinéma érotique) - Raoul Ruiz (Le Don) - Elia Suleiman (Irtebak) - Walter Salles (À 8.944 km de Cannes) - Tsai Ming-Liang (It´s a Dream) - Gus Van Sant (First Kiss) - Lars von Trier (Occupations) - Wim Wenders (War in Peace) - Wong Kar-Wai (I Travelled 9.000 km to Give it to You) - Zhang Yimou (Movie Night).

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