segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Bob Dylan em primeira audição


Tempest, que tem lançamento marcado para o dia 11 é o 35º disco de Bob Dylan e a obra com a qual ele celebra 50 anos de música

Sempre acreditei que Bob Dylan deveria ser indicado para receber o Prêmio Nobel de Literatura. E sempre fui alvo de curtição de amigos, que alegavam que eu era (sou) mais do que fã de Dylan, uma verdadeira groupie (fanática). Em 2008, quando Dylan recebeu o Prêmio Pulitzer especial por "seu profundo impacto na música popular e na cultura americana através de canções de extraordinário poder lírico e poético", me senti vingada das brincadeiras dos amigos. Lavei a alma. Para completar, esse ano, a importância cultural da obra de Bob Dylan foi reconhecida pelo governo americano. Ele recebeu a "Medalha da Liberdade", maior honraria do país concedida a um civil.

Na semana passada, último dia de agosto, integrei a lista da legião de fãs que entraram no site www.listentobobdylan.com e encontraram um mapa com lugares estratégicos nos EUA e em outros nove países (Austrália, Bélgica, Canadá, França, Alemanha, Holanda, Suécia, Reino Unido e Brasil) para ouvir uma seleção de canções de "Tempest", o 35º álbum de estúdio de Bob Dylan que tem lançamento oficial marcado para 11 de setembro nos Estados Unidos.  A seleção podia ser ouvida em streaming por meio de dispositivos móveis. Não resisti e comprei o disco antecipadamente no iTunes.

O disco serve para reforçar minha admiração por esse senhor de 71 anos que não dá nenhum sinal de pensar em aposentadoria. A lenda do folk americano não somente lança o disco de inéditas, o primeiro desde "Together Through Life", de 2009, como anunciou 32 shows em grandes arenas, entre outubro e novembro, com a participação especial do ex-Dire Straits Mark Knopfler. Vale lembrar que Dylan e Knopfler já trabalharam juntos em dois discos de Dylan, “Slow train coming”, de 1979, e “Infidels”, de 1983. 

Voltando a “Tempest”. O disco foi produzido por Jack Frost, um dos muitos pseudônimos usados por Robert Allen Zimmerman. Dylan usa o nome como produtor de seus próprios álbuns desde "Love and theft", de 2001. Coincidentemente também lançado no dia 11 de setembro. E Antes mesmo de ouvir as músicas em streaming no site listentobobdylan.com, já conhecia algumas canções do disco.  No começo de agosto a Columbia Records tinha liberado “Early Roman Kings”, para trilha sonora do comercial da segunda temporada da série americana “Strike back” da HBO (no Brasil, a série faz parte da programação do canal Maxprime, do grupo HBO). A música tem o tom irônico de algumas canções de Dylan e uma abordagem pra lá de bluseira.

A nova temporada do seriado estreou no dia 17 de agosto nos Estados Unidos, e nesta mesma noite o canal a cabo trouxe ao mundo um trecho de “Scarlet Town”, segunda canção revelada de “Tempest”. “Scarlet Town” lembra vagamente o clima sombrio de “Nettie Moore”, de Modern Times e canções de Leonard Cohen.

É interessante lembrar que a parceria de Dylan com séries e filmes é cada vez mais recorrente. Em 2005, Dylan gravou “Tell’ O’ Bill” para o filme “Terra Fria”, de Charlize Theron. Dois anos depois, lançou “Lucky You” para a trilha sonora de “Bem Vindo ao Jogo”, estrelado por Drew Barrymore. Em 2003, a música “Cross the Green Mountain” apareceu na trilha sonora do filme de guerra “Deuses e Generais”.

Outra amostra grátis de “Tempest” foi apresentada em forma de videoclipe e chama-se "Duquesne Whistle", A canção é um Folk-blues nostálgico que ganhou uma versão cinematográfica violenta, no melhor estilo “Cães de Aluguel”, de Quentin Tarantino. No clip um rapaz com ares de stalker, tenta flertar com uma moça que ele sempre espera sair do escritório. E paga o preço desta ousadia - além do desprezo da garota.

Duquesne Whistle", ou "o apito do Duquesne", remete ao nome de um trem de passageiros da Pensilvânia (a canção tem de fato um balanço ferroviário), e a referência à localidade Carbondale (Illinois) molda uma trajetória pela memória do Meio Oeste americano. A canção foi escrita em parceria com Robert Hunter, um conhecido letrista de "bluegrass" e ex-integrante da banda Grateful Dead. Hunter também participou do álbum “Down in the Groove” (1988) e “Together Through Life” (2009). E o videoclipe foi dirigido por Nash Edgerton (que dirigiu antes "Beyond Here Lies Nothin?", também de Dylan). A guitarra que faz contraponto à voz cada vez mais enfumaçada de Dylan é a de Mark Knopfler.

No site criado pela Columbia Records foi possível ouvir as 10 músicas do disco que totalizam pouco mais de 70 minutos de canções. O álbum parece temático e fala basicamente de amor e morte. Além da comentada "Duquesne Whistle", a faixa-título é uma representação de quase 14 minutos do desastre do Titanic, com direito a citar Leonardo Di Capprio, que protagonizou a versão de James Cameron para o desastre naval. Esta não é a primeira vez que o cantor faz referência a uma estrela em suas letras. Em "I shall be free", ele cita nomes como Brigitte Bardot, Anita Ekberg e Sophia Loren. E em "Motorpsycho Nightmare", Dylan fala de Tony Perkins e do filme "La Dolce Vita".

Em “Roll On John”, ela fala sobre o assassinato de John Lennon. Dylan relata o que imagina ter sido os momentos finais de Lennon, inclusive sua experiência física de morrer, “até o último suspiro”. Triste e comovente, principalmente para quem considera Lennon e Dylan ícones do rock and roll. Na música ainda há memória de Dylan de dois jovens amigos muito chapados em uma limusine.

“Long and Wasted Years” também chama a atenção por mostrar um Dylan falando de anos destilando uma balada linda em que o protagonista pede desculpas a seu amor para ferir seus sentimentos. Ele admite que usa máscaras para esconder seus olhos, porque "Há segredos em que eles não podem disfarçar". A música é o oposto de Pay In Blood, que Dylan encarna o demônio, aparece arrogante e ameaçador, prometendo pagar com sangue, mas não o dele.

É preciso escutar mais, fazer novas e longas leituras, mas a princípio pode se dizer que “Tempest” éimpressionante, mesmo falando de temas que estao eternamente na obra do cantador: perda, catástrofe, assassinato. Aos 71 anos, ele mantém a esperança nas graças salvadoras de coragem, amor e amizade são notavelmente familiar neste século. No comando da linguagem, o bardo americano continua inegualável. E se “Tempest” for mesmo o último registro musical de Dylan (afinal ele tem a voz de um senhor de 71 anos), deixa como legado sua empatia ímpar, sua capacidade de habitar seus personagens, entender suas motivações e fazê-los de carne e osso através da música.

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