Tempest, que tem lançamento
marcado para o dia 11 é o 35º disco de Bob Dylan e a obra com a qual ele celebra
50 anos de música
Sempre
acreditei que Bob Dylan deveria ser indicado para receber o Prêmio Nobel de
Literatura. E sempre fui alvo de curtição de amigos, que alegavam que eu era
(sou) mais do que fã de Dylan, uma verdadeira groupie (fanática). Em 2008,
quando Dylan recebeu o Prêmio Pulitzer especial por "seu profundo impacto
na música popular e na cultura americana através de canções de extraordinário
poder lírico e poético", me senti vingada das brincadeiras dos amigos.
Lavei a alma. Para completar, esse ano, a importância cultural da obra de Bob
Dylan foi reconhecida pelo governo americano. Ele recebeu a "Medalha da
Liberdade", maior honraria do país concedida a um civil.
Na
semana passada, último dia de agosto, integrei a lista da legião de fãs que
entraram no site www.listentobobdylan.com
e encontraram um mapa com lugares estratégicos nos EUA e em outros nove países
(Austrália, Bélgica, Canadá, França, Alemanha, Holanda, Suécia, Reino Unido e
Brasil) para ouvir uma seleção de canções de "Tempest", o 35º álbum
de estúdio de Bob Dylan que tem lançamento oficial marcado para 11 de setembro
nos Estados Unidos. A seleção podia ser
ouvida em streaming por meio de dispositivos móveis. Não resisti e comprei o
disco antecipadamente no iTunes.
O
disco serve para reforçar minha admiração por esse senhor de 71 anos que não dá
nenhum sinal de pensar em aposentadoria. A lenda do folk americano não somente
lança o disco de inéditas, o primeiro desde "Together Through Life",
de 2009, como anunciou 32 shows em grandes arenas, entre outubro e novembro,
com a participação especial do ex-Dire Straits Mark Knopfler. Vale lembrar que
Dylan e Knopfler já trabalharam juntos em dois discos de Dylan, “Slow train
coming”, de 1979, e “Infidels”, de 1983.
Voltando
a “Tempest”. O disco foi produzido por Jack Frost, um dos muitos pseudônimos
usados por Robert Allen Zimmerman. Dylan usa o nome como produtor de seus
próprios álbuns desde "Love and theft", de 2001. Coincidentemente
também lançado no dia 11 de setembro. E Antes mesmo de ouvir as músicas em
streaming no site listentobobdylan.com, já conhecia algumas canções do
disco. No começo de agosto a Columbia
Records tinha liberado “Early Roman Kings”, para trilha sonora do comercial da
segunda temporada da série americana “Strike back” da HBO (no Brasil, a série
faz parte da programação do canal Maxprime, do grupo HBO). A música tem o tom
irônico de algumas canções de Dylan e uma abordagem pra lá de bluseira.
A
nova temporada do seriado estreou no dia 17 de agosto nos Estados Unidos, e
nesta mesma noite o canal a cabo trouxe ao mundo um trecho de “Scarlet Town”, segunda canção
revelada de “Tempest”. “Scarlet Town” lembra vagamente o
clima sombrio de “Nettie Moore”, de Modern Times e canções de Leonard Cohen.
É
interessante lembrar que a parceria de Dylan com séries e filmes é cada vez
mais recorrente. Em 2005, Dylan gravou “Tell’ O’ Bill” para o filme “Terra
Fria”, de Charlize Theron. Dois anos depois, lançou “Lucky You” para a trilha
sonora de “Bem Vindo ao Jogo”, estrelado por Drew Barrymore. Em 2003, a música
“Cross the Green Mountain” apareceu na trilha sonora do filme de guerra “Deuses
e Generais”.
Outra
amostra grátis de “Tempest” foi
apresentada em forma de videoclipe e chama-se "Duquesne Whistle", A
canção é um Folk-blues nostálgico que ganhou uma versão cinematográfica
violenta, no melhor estilo “Cães de Aluguel”, de Quentin Tarantino. No clip um
rapaz com ares de stalker, tenta flertar com uma moça que ele sempre espera
sair do escritório. E paga o preço desta ousadia - além do desprezo da garota.
Duquesne
Whistle", ou "o apito do Duquesne", remete ao nome de um trem de
passageiros da Pensilvânia (a canção tem de fato um balanço ferroviário), e a
referência à localidade Carbondale (Illinois) molda uma trajetória pela memória
do Meio Oeste americano. A canção foi escrita em parceria com Robert Hunter, um
conhecido letrista de "bluegrass" e ex-integrante da banda Grateful
Dead. Hunter também participou do álbum “Down in the Groove” (1988) e “Together
Through Life” (2009). E o videoclipe
foi dirigido por Nash Edgerton (que dirigiu antes "Beyond Here Lies
Nothin?", também de Dylan). A guitarra que faz contraponto à voz cada vez
mais enfumaçada de Dylan é a de Mark Knopfler.
No
site criado pela Columbia Records foi possível ouvir as 10 músicas do disco que
totalizam pouco mais de 70 minutos de canções. O álbum parece temático e fala
basicamente de amor e morte. Além da comentada "Duquesne Whistle", a
faixa-título é uma representação de quase 14 minutos do desastre do Titanic,
com direito a citar Leonardo Di Capprio, que protagonizou a versão de James
Cameron para o desastre naval. Esta não é a primeira vez que o cantor faz
referência a uma estrela em suas letras. Em "I shall be free", ele
cita nomes como Brigitte Bardot, Anita Ekberg e Sophia Loren. E em
"Motorpsycho Nightmare", Dylan fala de Tony Perkins e do filme
"La Dolce Vita".
Em “Roll On John”, ela fala
sobre o assassinato de John Lennon. Dylan relata o que imagina ter sido os
momentos finais de Lennon, inclusive sua experiência física de morrer, “até o
último suspiro”. Triste e comovente, principalmente para quem considera Lennon
e Dylan ícones do rock and roll. Na música ainda há memória de Dylan de dois
jovens amigos muito chapados em uma limusine.
“Long and Wasted Years” também chama a atenção por mostrar um
Dylan falando de anos destilando uma balada linda em que o protagonista
pede desculpas a seu amor para ferir seus sentimentos. Ele admite que usa
máscaras para esconder seus olhos, porque "Há segredos em que eles não
podem disfarçar". A música é o oposto de Pay In Blood, que Dylan encarna
o demônio, aparece arrogante e ameaçador, prometendo pagar com sangue, mas não
o dele.
É preciso escutar mais, fazer novas e longas leituras, mas a princípio
pode se dizer que “Tempest” éimpressionante, mesmo falando de temas que estao
eternamente na obra do cantador: perda, catástrofe, assassinato. Aos 71 anos,
ele mantém a esperança nas graças salvadoras de coragem, amor e amizade são
notavelmente familiar neste século. No comando da linguagem, o bardo americano
continua inegualável. E se “Tempest” for mesmo o último registro musical de
Dylan (afinal ele tem a voz de um senhor de 71 anos), deixa como legado sua
empatia ímpar, sua capacidade de habitar seus personagens, entender suas
motivações e fazê-los de carne e osso através da música.