segunda-feira, 13 de abril de 2009

Os limites da consciência



Uma família desmembrada por força de pequenos segredos que se tornam enormes mentiras tenta desesperadamente permanecer unida e recusa-se a aceitar a Verdade. Para evitar fazer face a pesadas provas e responsabilidades, eles escolhem ignorar a Verdade, e recusam ver, ouvir ou falar sobre ela, como na fábula dos Três Macacos

Quase todo mundo já viu alguma versão da célebre figura dos três macacos. Um cobre os olhos com as mãos, outro cobre as orelhas, o terceiro a boca. A imagem original está esculpida num templo japonês e materializa um provérbio do Japão, segundo o qual não se deve ver o mal, ouvir o mal, falar o mal – se ninguém visse o mal alheio, nem o escutasse, nem falasse dele, a humanidade viveria em harmonia. A lenda é a metáfora do título de Três Macacos, do cineasta turco Nuri Bilge Ceylan, que conta a história de uma família dilacerada, que tenta se manter unida apesar de seus segredos.

O Filme foi exibido em Cannes no ano passado, valendo ao seu realizador o prêmio de melhor diretor. A produção chegou a ser apontada como uma das fortes candidatas à Palma de Ouro, prêmio máximo do festival, mas acabou perdendo para Entre Os Muros da Escola. Mas Cannes continua sendo o maior responsável pela divulgação internacional do trabalho do cineasta turco. Lá foram exibidos, por exemplo, Climas (2006), que estreou no Brasil só em 2008, e Distante (2002), vencedor dos troféus de melhor ator e o Grande Prêmio do Júri naquele festival, mas que continua inédito em circuito comercial brasileiro.

Três Macacos é um presente para os cinéfilos – principalmente aqueles que acreditam que a arte está, antes de tudo, na diversidade. O filme de Ceylan aposta na valorização dos primeiros planos dos seus protagonistas, o que exige a escalação de atores capazes de transmitir emoções complexas não raro num único olhar. E consegue isso de seu admirável trio de intérpretes, Yavuz Bingöl, Hatice Aslan e Ahmet Rifat Sungar, respectivamente como o pai, a mãe e o filho de uma família pobre corrompida por um político (Ercan Kesal). O filme está longe de ser uma produção fácil de se ver. Isso porque ele se propõe a desafiar o espectador a cada cena, em um intenso exercício de forma e conteúdo.É como se ele propusesse desafios ao espectador a cada cena. É um exercício clássico de forma e conteúdo na qual a história acaba se tornando irrelevante. A forma com que ela é apresentada, porém, é o que faz de Três Macacos um exemplo de bom cinema.

Por que o filme não é fácil? Talvez por causa de sua lentidão, que , no entanto, está longe de ser uma falha da produção. É, antes sim, um recurso que valoriza o ritmo calmo e introspectivo da produção. O diretor usa os longos silêncios, os quadros estáticos, e a ambientação e a fotografia a serviço da psicologia dos personagens. A falta de comunicação dos integrantes da família é dada pelo uso constante do primeiríssimo plano, em que sentimentos são expressados não pela palavra mas sim pela troca de olhares, suor das faces, ou cabelos molhados. O aprisionamento dos personagens naquele mundo em que nada se fala, nada se vê e nada se escuta, é acentuado pela preocupação da câmera em bem diagramar o espaço interno do apartamento. As cenas externas, embora poucas, são marcantes. Em uma delas, a mãe debruça-se sobre a grade do cais, frente ao mar, e o céu cinzento parece que vai desabar sobre ela, acentuando sua dor e solidão. Em pinceladas rústicas, sem muitos diálogos, o filme requer a participação ativa do espectador para preencher suas lacunas e escutar a fundo a alma dos personagens.


No começo da história, o político Ercet (Ercan Kesal) atropela e mata uma pessoa numa estrada, numa noite chuvosa, em que ele dirigia com muito sono. Ele foge e convence, então, seu motorista Eyüp (Yavuz Bingöl) a assumir o crime, para não enfrentar um escândalo na véspera de uma nova eleição. Como compensação, faz-lhe a promessa de uma boa soma em dinheiro no final da pena de prisão que o motorista terá de cumprir, além de garantir mensalmente seu salário à mulher e ao filho.
Tentando realizar um sonho profissional do filho deslocado no mundo, Ismail (Ahmet Rifat Sungar), a mãe Hacer (Hatice Aslan) recorre ao político para um empréstimo em dinheiro. O encontro leva à sedução da mulher e acelera a desagregação moral deste núcleo familiar, que esconde outros traumas. O principal deles, a morte de um filho quando criança (Gürkan Aydin) - que aparece, como fantasma, em duas cenas memoráveis. A imagem desse irmão numa foto na parede da sala, remete o espectador a um passado de maior cumplicidade entre aquela família, em que seus três macacos se falavam, se viam e se escutavam.

O filho desconfia do envolvimento de sua mãe com Servet. Ao constatar o ocorrido, é violento com ela. Ao visitar o pai na cadeia, contudo, esconde-lhe a verdade. Nove meses depois, o motorista sai da prisão e espanta-se com o horror. Sua mulher o trai com o político e seu filho único fracassou nos estudos. Acostumada a não falar sobre seus conflitos, a família não poderá, desta vez, jogá-los para baixo do tapete. A violência latente e real aos poucos terá que se definir sobre o rumo a tomar.

Se a metáfora dos três macacos é boa e representa as coisas que os membros daquela família escolhem não ver, ouvir ou falar para manter um certo equilíbrio na vida domiciliar quando a imoralidade vem visitá-los, eles logo descobrem que esse equilíbrio não passa de uma perigosa ilusão.

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