sábado, 7 de março de 2009

Entre a culpa e os limites do perdão
















Uma reflexão filosófica sobre a lei versus a moral, uma equação sobre a abrangência da culpa e os limites do perdão, um questionamento sobre o nazismo, a culpa coletiva e banalidade do mal. Estas são algumas das questões abordadas pelo filme O Leitor, de Stephen Daldry,em cartaz em Goiânia desde sexta-feira ( 6 de março). A produção inglesa que deu a Kate Winslet o Oscar de Melhor Atriz, é baseada no famoso livro best seller de mesmo nome ( lançado no Brasil pela editora Record) e parte do princípio de que pequenas ações podem mudar totalmente a vida das pessoas e o destino de quem está a sua volta.





A primeira vista, a trama conta uma história de amor, que dura apenas um verão, entre o adolescente de 15 anos Michael Berg (vivido quando jovem por David Kross e já na fase adulta por Ralph Fiennes) e a misteriosa Hanna Schmitz (interpretada brilhantemente por Kate Winslet), um mulher solteira de 35 anos que trabalha como cobradora de passagem de bondinhos, na Alemanha pós 2ª Guerra Mundial. Hanna inicia o garoto ( ela nunca diz seu nome) no sexo com particular desvelo. As sessões de sexo são intercaladas de leituras de grandes clássicos que ela insiste que o garoto leia em voz alta. Horácio, Homero, Tolstói, Tchékhov, Schiller. Um dia a mulher desaparece sem deixar rastros. Michael vai reencontrá-la oito anos mais tarde: ele como estudante de direito; ela no banco dos réus. Na Siemens, era uma das encarregadas de selecionar mulheres para o campo de concentração e a morte.




Quem conhece a trajetória do diretor Stephen Daldry sabe o que esperar de O Leitor. O cineasta britânico é um especialista em dramas vigorosos em que suas personagens são levadas a situações-limite. Foi assim com Billy Elliot e As Horas, que deu o Oscar de melhor atriz a Nicole Kidman. Seguindo a cartilha de Daldry, Michael, levado a assistir o julgamento de criminosos nazistas, tem de enfrentar seus valores, seu modo de encarar as leis, o seu próprio sentimento e a moralidade.





É nesta parte do filme que aparece o questionamento: quanto custa um segredo? Ou melhor, quanto vale a verdade? Pequenas ações e palavras podem mudar totalmente as nossas vidas e o destino de todos que estão a nossa volta. Hannah tem seus motivos para guardar um segredo que, senão a livraria da culpa pelos crimes pelos quais esta sendo julgada, pelo menos minimizaria a pena. É nesse contexto da vergonha e do segredo que duas vidas se modificam. Trazendo a trama para o cotidiano da vida real, quantas vezes uma atitude sem pensar, uma mentira ou até mesmo uma omissão podem mudar não só a sua vida, mas a vida das outras pessoas. É em torno desse dilema ético que Stephen Daldry consegue transformar O Leitor numa em um filme plural: um romance sobre um grande amor proibido, um drama de tribunal que investiga os limites da Justiça, um novo olhar sobre as culpas pela guerra, um estudo sobre como a personalidade dos culpados interfere na história.





E o público, que conhece o segredo de Hannah, se surpreende com a frieza com que ela interage com os problemas. Ela é prática e racional: "Os mortos já estão mortos. O que sinto ou deixo de sentir não os trará de volta". Ela sabia o que fazia? “Sim”. E por que o fazia? “Porque era o meu dever”. Ou ainda: “Porque novas mulheres chegavam, e não havia lugar para todas”. E pergunta ao juiz:” O que o senhor teria feito em meu lugar?”





Michael assiste aos depoimentos com a alma devastada. Ao mesmo tempo, no curso de direito, um professor indaga se países são governados pela moral ou pelas leis. É a culpa coletiva e a banalidade do mal. Os responsáveis pelos genocídios nos campos de concentração tem mesmo culpa? E o professor questiona não a culpa moral, mas a culpa legislativa – como professo de Direito que é. Durante a guerra, a Alemanha aceitava o genocídio dentro de suas normas legislativas. O que acontecia, segundo o professor, era simplesmente o cumprimento da lei. E se alguém tinha de ser condenado, deveria ser os responsáveis pela promulgação da lei.




Deixando a história de O Leitor de lado, partimos para a análise do filme. Em primeiro lugar, a produção demostra, mais uma vez, que Stephen Daldry é um excelente diretor de intérpretes, capaz de trabalhar, com a mesma intensidade, com estrela de primeira grandeza como Kate Winslet e um ator iniciante como David Kroos, que interpreta o jovem Michael. Kross exibe uma excepcional interpretação, ajudando na construção do jovem e do universitário Michael, sabendo compreender o personagem e dosar cada situação emocional do personagem.





Kate Winslet confirma, uma vez mais, ser uma atriz de completo domínio da técnica de interpretar, da mesma forma que pode ser conferida em Foi Apenas um Sonho, de Sam Mendes. Aqui ela encarna a complexa personagem com muita determinação e vigor, fazendo com que o destaque de sua caracterização se posicione principalmente na maneira de Hannah caminhar, como se lhe pesasse o fardo da vida. Ralph Fiennes, Bruno Ganz e Lena Olin, como sempre, estão perfeitos em suas atuações.




Serviço
O Leitor ((The Reader)
Origem: EUA/2008
Direção de Stephen Daldry.
Elenco: Kate Winslet, Ralph Fiennes, Bruno Ganz.
Censura: 16 anos.
Cotação: ****1/2

Um comentário:

  1. Olá Tacilda: acertou na mosca: "O leitor" é um filme vigoroso. E tb. disse tudo sobre Kate: uma atriz de primeira qualidade.
    ps- seu pai e meu pai eram amigos e criavam aves maravilhosas. lembro muito do seu pai no fundo de casa, no quintal, conversando e falando dos pássaros. (Lisandro Nogueira)

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