sábado, 10 de setembro de 2011

A teoria da involução








“Planeta dos Macacos: A Origem” chega às telas honrando a mitologia da série e exibindo atrativos para seduzir uma nova geração de seguidores


O cinéfilo maior de 40 que fica com um pé atrás com os filmes nos quais os protagonistas são os efeitos especiais de última geração pode até pensar duas vezes antes de resolver conferir o blockbuster “O Planeta dos Macacos — A Origem”, de Rupert Wyatt. Mas quando se lembrar da cena final de “O Planeta dos Macacos”, que Franklin J. Schaffner dirigiu em 1968 com Charlton Heston, certamente vai querer saber como e porque chegamos ao ponto em que a Estátua da Liberdade está enterrada na areia, ou Abe Lincoln virou “Ape” Lincoln. A chocante cena final comprova para o incrédulo protagonista, o astronauta George Taylor, que ele está na Terra dominada pelos primatas e não em um planeta misterioso, no qual a Teoria da Evolução teve outro desdobramento.

Em “O Planeta dos Ma¬cacos — A Origem” o diretor Ruppert Wyatt retoma a saga reinventando o argumento do quarto dos cinco filmes da cine série, “A Conquista do Planeta dos Macacos” (1972), que mostra o início da revolta comandada pelo chimpanzé Ceaser e o fim do reinado dos humanos sobre a Terra. Escrito por Amanda Silver e Rick Jaffa (sempre inspirados no livro de Pierre Boulle), o roteiro tem início ilustrando a captura da símia Olhos Brilhantes (numa referência a forma como a Dra. Zira chamava Taylor na obra original). A sequência já estabelece a relação de antagonismo/submissão entre humanos e macacos que dominará a narrativa. Depois o espectador é apresentado ao cientista Will Rodman (James Franco), que está prestes a desenvolver um vírus que poderá curar o mal de alzheimer — doença que afeta seu pai, o músico Charles (John Lithgow). Durante os testes com Olhos Brilhantes, porém, Will percebe que o tratamento aumenta incrivelmente a inteligência da cobaia, que passa esta característica ao filhote Ceaser antes de ser morta num incidente no laboratório. A fim de evitar que o chimpanzé seja sacrificado, o cientista adota-o, percebendo, com o tempo, que suas habilidades cognitivas continuam a crescer exponencialmente, até que um confronto com um vizinho tira o animal de suas mãos e leva Ceaser a abandonar a docilidade habitual.

É claro que uma das grandes responsáveis pelo sucesso do filme é a tecnologia, cujas possibilidades fazem cada expressão dos macacos digitais parecer real e impressionar o público. Com a famosa técnica de motion capture, Wyatt conseguiu escapar das armadilhas que derrubaram o tarimbado Tim Bur¬ton, autor, em 2001, de uma decepcionante refilmagem do seminal filme de Franklin J. Schaffner em que os atores vestem trajes de macacos. Graças aos efeitos especiais da Wetta Digital — a empresa neozelandesa fundada por Peter Jackson e utilizada em massa na trilogia “O Senhor dos Anéis” (2001-2003), “King Kong” (2005) e “Avatar” (2009) —, nunca antes personagens criados em computação gráfica tiveram tanta credibilidade. Aqui, apesar de Ceaser ser uma criação virtual, a base para sua existência são os movimentos do corpo de Andy Serkis, que foram capturados pela câmera e trabalhados em softwares de animação, dando uma verossimilhança inédita e surpreendente. O olhar de Ceaser expressa um descontentamento doloroso frente ao seu criador e ganha ares apocalípticos quando um lancinante e gutural não explode de sua boca. Destaque para a contrariedade de Ceaser ao usar a coleira, o medo que exibe ao ver-se sozinho num ambiente desconhecido ou o espanto que sente diante dos próprios impulsos de violência.

Antes de “O Planeta dos Macacos — A Origem”, um dos maiores obstáculos da Wetta Digital eram os olhos de suas criaturas digitais. Aqui, além de exibirem movimentos repletos de sutilezas e significados (novamente responsabilidade de Serkis e seus companheiros de elenco), os olhos dos símios exibem brilho e vitalidade fundamentais para convencer o público de que há um ser vivo por trás deles. Neste sentido vale ressaltar a decisão certeira dos realizadores de modificar a cor e aumentar o reflexo da íris dos macacos “infectados”, o que serve para diferenciá-los dos parentes normais e para torná-los mais... humanos (?).

Não é exagero dizer que o desempenho do macaco é melhor que o trabalho dos atores de carne e osso. As sequências em que Ceaser e seus companheiros símios estão sozinhos em cena, sem interferência humana, são as melhores do filme. A exceção fica por conta de John Lithgow que encarna com ternura Charles Rodman, pai de Will, que sofre diariamente com o mal de Alzheimer. A emocionante relação desenvolvida entre Ceaser e Charles, levada ao ápice na cena em que o animal o salva da fúria de um vizinho, é a prova incontestável do domínio dos dois intérpretes (o chimpazé Serkis e Lithgow) sobre seus papéis.

O roteiro é bastante focado nesta relação homem-animal. O macaco não é o vilão da história e sim o homem e seu complexo de Deus. Ceaser é apenas vítima de um mundo que não compreende. Ele vive no limiar entre o humano e o animal. Às vezes parece racional, sensível e brincalhão, mas também pode dar vazão aos seus instintos animais, principalmente quando vê “sua família” em perigo. O que ele não entende é porque as mesmas pessoas que lhe dão carinho também subjugam os da sua espécie. O ser humano (?) por sua vez não poderia ser mais bestial. Dodge (Tom Felton), que trata dos macacos dispara jatos de águas com uma mangueira, também em uma referência ao original de 1968, em que os macacos controlavam os humanos com jatos d´água. Outro humano de comportamento bestial é o vizinho do pai de Will, cuja ação acaba por mudar o rumo da história. É dele também a ação que dá gancho a uma possível e provável continuação da saga dos macacos.

É claro que os protagonistas humanos têm seu valor e formam o verdadeiro elo com a moralidade, embora use os animais como cobaia. Ele representa a necessidade que o homem tem de encontrar solução para todos os problemas simplesmente pelo medo que eles têm de sua própria vulnerabilidade, um medo que não é tão real para os macacos, que veem o mundo de uma forma mais básica e primitiva, ainda que sejam dotados de inteligência.

Curiosamente o filme chega às telas nacionais um mês depois de a Academia de Ciências Médicas da Grã-Bretanha ter publicado um pedido ao governo britânico para repensar as leis que regem as pesquisas médicas com animais. Entre as preocupações dos cientistas ingleses está a possível criação de animais com inteligência humana.

O professor Thomas Baldwin, um dos membros da academia, disse à BBC que o grupo teme “que se comece a introduzir um grande número de células cerebrais humanas no cérebro de primatas e que isso faça com os que os primatas adquiram algumas das capacidades que se consideram exclusivamente humanas, como a linguagem”. Apesar de ser uma preocupação em longo prazo, o professor acredita que já devemos começar a pensar em como regular estas pesquisas.

Uma das grandes premissas da cine série original era justamente o tema sobre a exploração de animais, seja para experimentos científicos ou medicinais, seja para exibição. No original, a Dra. Zira questionava o uso de humanos em experimentos. A primeira parte do filme é povoada de cenas de laboratório e discussões sobre os limites éticos do uso de animais em experiências científicas. Pena que o filme acabe relegando essa discussão a segundo plano, preferindo enfatizar os efeitos especiais que criam cenas espetaculosas de Ceasar comandando seus legionários rebelados. O clímax dos efeitos especiais está na batalha na Golden Gate. Táticas militares de ambos os lados, sacrifícios, mortes festejadas (do vilão, naturalmente), cavalos e pólvora para lá e para cá, aquela correria e o imune humano assistindo o inevitável. São sequências de ação brilhante que deixam o público torcendo pela vitória dos símios. Quem prestou atenção no roteiro vai lembrar de uma cena em que aparecem no filme notícias de uma missão tripulada à Marte e de que a nave se perdeu no espaço, uma brecha para uma continuação na qual os astronautas voltarão à Terra e encontrarão macacos inteligentes.

O respeito sutil de Wyatt para a filmografia original será notada pelos fãs da franquia. As cenas de metalinguagem são muitas. Vai de uma homenagem a Charlton Heston, que aparece em um filme antigo que está passando na TV, a Ceasar, ainda pequeno, brincando com uma estátua da liberdade. Outras são ainda mais sutis: O nome do personagem de Tom Felton é Dodge Landon, referência para Dodge (Jeff Burton) e Landon (Robert Gunner), colegas de Taylor em “Planeta dos Macacos”. A melhor referência para mim foi a frase “tire suas mãos de mim, seu macaco sujo”, da mesma maneira que foi falada no filme original, só que em outra situação. Gostei do filme e da homenagem. É verdade que é uma produção no melhor estilo dos blockbusters, mas felizmente repleto de agradáveis referências e com uma trama bem equilibrada e cheia de conteúdo para refletir.