sábado, 23 de julho de 2011

Droga é mesmo um jogo de azar _ Amy Winehouse is dead


Drugs é mesmo um jogo de azar. E para Amy Winehouse game is over. E ela perdeu feio. Apostou alto: a própria vida. RIP.

Amy Winehouse entrou no jogo apostando alto: a própria vida. E perdeu feio. Morreu deixando os fãs instigados pela certeza de que ela tinha uma grande trajetória pela frente. Em uma de suas mais famosas canções, a inglesa Amy Winehouse canta com sua voz única que o amor é um jogo de azar e as chances de se ganhar são mínimas. Os versos da canção poderiam ser trocados por “drug is a losing game”. Um jogo que Amy nunca deveria ter jogado e que, parafraseando a canção, fez um estrago irremediável em sua vida. O estrago teve o lance “lance final” (the final frame) na tarde do sábado, 23, quando a artista foi encontrada morta em seu apartamento de um bairro chique de Londres.

Desgastada pela banda (“played out by the band”), esquecendo as letras das músicas e completamente bêbada (ou drogada), Amy mal deve ter se dado conta do vexame pelo qual estava passando, tampouco percebido que a droga é realmente um jogo de azar muito mais azarado do que ela poderia aguentar (“more than I could stand”).

E certamente esteve longe de perceber que nunca teve um público que a apoiasse tanto e que a amasse tanto, a ponto de, no show em Belgrado, lembrá-la dos versos das canções, na esperança de que ela conseguisse levar seu show até o fim. Amy sempre teve imaginação e suas canções revelavam uma espécie de melancolia única. Só precisava ganhar a luta contra as drogas.

Se Amy era capaz de compor versos que atestam que o amor é um jogo de azar, deveria ser capaz também de perceber que a droga é declaradamente profunda (“self professed...profund”) e fazer esse encanto se quebrar (“tiil the chips were down”).

Pena que Amy estivesse bastante cega (“Though I’m rather blind”) e ter se resignado com seu destino drogado (“Love is a fate resigned”) e deixando que as lembranças denegrissem a sua mente (“Memories Mar my mind”), fazendo com que as drogas definissem seu destino (“a fate resigned”).

As expectativas não tinham de ser inúteis, tampouco ridicularizadas pelos deuses. Bastava abandonar o jogo. Afinal, desde o início ela sabia que a partida estava perdida. E para se achar, deveria, talvez, ter colocado em prática, versos de sua canção mais famosa, “Rehab” (reabilitação). Não aquela em que ela diz que tentaram mandá-la para a reabilitação e ela disse não, mas ( “I don’t ever want to drink again”) “Não quero beber nunca mais. Só preciso de um amigo” (“I Just, ooh, I Just need a friend”). Milhares de fãs deveriam ter bastado. Não bastou. Amy continuou no jogo e apostando alto. Apostou a própria vida. E perdeu feio.

A partida final do jogo, na tarde de sábado, 23, acabou fazendo com que Amy caísse naquele seleto e triste grupo dos artistas ícones de sua geração que morreram aos 27 anos — Jimi Hendrix, Kurt Cobain, Jim Morrisson, Janis Joplin. O mundo a viu se acabar dia após dia e infelizmente não é nenhuma surpresa sua morte, depois de uma vida de tantos excessos, mas a tristeza de quem realmente é fã é inevitável.

Suas histórias pessoais sempre serviram de mote para promover sua música. Até mesmo sua gravadora usava seus problemas para vender discos e fechar shows. Só recentemente acabaram descobrindo que a superexposição era mais prejudicial que benéfica à carreira da cantora. Quando ela tinha 25 anos, foi alvo de uma reportagem da revista “Rolling Stones”, que expôs em suas páginas a vida desregrada da artista que vivia rodeada de usuários de drogas. Amy não escondeu seus vícios que se transformaram em prato cheio para a imprensa sensacionalista. Dois anos depois do lançamento do segundo disco, a cantora passou a ser um motivo de piada mais do que uma reconhecida cantora.

Entre uma passagem e outra por clínicas de reabilitação, Amy se arriscava no palco onde dava mais vexame do que cantava. No início do mês passado, quando estava em turnê pelo Leste Europeu, protagonizou um episódio desastroso em um show na Sérvia. Apenas murmurando as letras, visivelmente bêbada, cantou músicas fora do tom e abandonou o palco depois de ser vaiada e jogar um dos sapatos na plateia.

Os fãs da cantora passaram os últimos anos esperando que ela conseguisse sair das drogas pelo menos tempo suficiente para lançar outros discos tão bons como o álbum de estreia, “Frank”, lançado em outubro de 2003, produzido por Salaam Remi e o famosíssimo “Back to Black”. Frank tem influências do jazz e todas as canções foram escritas por Winehouse. O álbum foi bem recebido pela crítica e sua voz foi comparada à de Sarah Vaughan e Macy Gray. “Frank” foi indicado para o Mercury Music Prize 2004. E lançado apenas no Reino Unido. “Back to Black”, que recebeu seis indicações para o Grammy 2008, das quais venceu cinco: Canção do Ano, Gravação do Ano, Artista Revelação, Melhor Álbum Vocal Pop, Melhor Performance Vocal Pop Feminina. Também pudera. “Back do Black” foi produzido por Mark Ronson, que tem entre seus créditos a produção de Ol’ Dirty Bastard, Lilly Allen e Christina Aguilera. Ronson recrutou os músicos da banda The Dap-Kings, comandada por Gabriel Roth. O instrumentista colaborou para o sucesso de Amy Winehouse, tocando e atuando como engenheiro de som no CD, e a banda fez uma participação impecável ajudando a cantora a resgatar a magia da soul music, unindo ainda a linguagem do funk e hip hop.

Com o alicerce de uma produção caprichada, um repertório sem falsidade e música extraída das experiências, Amy Winehouse resgatou com o disco as profundezas o bom som, feito com sinceridade e bem trabalhado. Embora fosse uma angustiada e sofrida, ela cantava com a alma, com a amargura de sua alma.

Ainda não se sabe, mas tudo evidencia que Amy perdeu o jogo para as drogas, assim como os artistas citados no começo deste texto. Mas a história bem que poderia ser diferente. Afinal a gente conhece muito velhinho que se entregou às drogas e estão aí vivos e fortes. Que o diga Keith Richards, guitarrista dos Rolling Stones, que segue contando histórias e excursionando com sua banda ; Iggy Pop e David Bowie, sem falar dos integrantes do Red Hot Chilli Peppers. E só para lembrar uma mulher, não tão talentosa quanto Amy, mas ainda assim famosa: Courtney Love. A viúva de Kurt Cobain e líder da banda Hole esteve internada diversas vezes por conta de seu vício em heroína e cocaína. Mesmo longe da cena musical nos últimos anos, ela conseguiu papel de destaque no cinema como no filme “O Povo Contra Larry Flynt”.

A própria Amy mostrou sinais de melhora no ano passado quando regravou “It’s My Party”, de Lesley Gore, para o álbum “Q Soul Bossa Nostra”, um tributo ao produtor Quincy Jones. Ainda no ano passado ela lançou seu próprio selo,
Lioness, que lançou a afilhada de Amy, Dionne Bromfield. E em março deste ano ela se juntou a Tony Bennett nos estúdios Abbey Road para gravar um standart do jazz dos anos 30, “Body and Soul”, para o próximo álbum de Bennet, “Duetos II”. Depois da morte de Amy, o cantor disse que a performance da artista na música é comovente e extraordinária.

O legado de Amy Winehouse é a renovação da soul music que a artista resgatou cantando suas dores de amores e dificuldades de se livrar do vício. E principalmente o fato da artista abrir caminho para um time de jovens vozes poderosas da Inglaterra como Adele, nomeada artista revelação em 2008 pelos críticos da BBC e ganhadora de dois Grammy Awards: Artista Revelação e Melhor Vocal Pop Feminino. Seu reconhecimento mundial veio com o álbum “21”, e sua canção “Rolling In The Deep” é tocada com fervor nos Estados Unidos e Reino Unido. Adele disputa com os Beatles no ranking de músicas mais vendidas na internet. Além do também britânico James Blake, 22 anos, que estreou em disco, em fevereiro deste ano, com elogios em sites e revistas do mundo todo; e a cantora Rox, 21 anos, que lançou o disco “Memoirs” e emplacou o single “My Baby Left Me” na trilha da novela global “Araguaia” além de ser bem recebida pelos britânicos, que incluíram a moça nas listas de promessas de 2010. Se não dá para chamar de “seguidoras”, podemos sim afirmar que sem o sucesso de Amy, essas cantoras, assim como Janelle Monaé, Estelle e Joss Stone teriam tido mais dificuldade para mostrar seu trabalho.

E pensando em epígrafe para a carreira e vida de Amy, impossível não pensar em suas próprias palavras. “I wish I could say ‘no regrets’ and no emotional debts, and as we kiss good-bye the sun sets. So we are history, the shadow covers me, the sky above a blaze that only lovers see... My tears dry on their own.” “Gostaria de poder dizer sem arrependimentos ou dívidas emocionais. E em nosso beijo de despedida ao por do sol, entramos para a história. A sombra me cobre. No céu, uma chama que só os amantes podem ver... e minhas lágrimas secam por conta própria.”


quinta-feira, 14 de julho de 2011

A época de ouro do cinema de Woody Allen




Confesso que relutei em ir assistir Meia noite em Paris, de Woody Allen. Será que valeria a pena rever mais um alter ego do cineasta inseguro, tímido, infeliz com suas escolhas pessoais e de trabalho, cheio de trejeitos e com aquele jeito “cuida de mim” que várias mulheres gostam? Fui. E me deliciei mais uma vez com a certeza de que não existe nada melhor do que uma história bem contada, mesmo quando a gente já a conhece.

Para começar, a produção se vale de um clichê da ficção científica – a viagem no tempo – que Allen usa para reverenciar o romantismo e a pulsão cultural da Paris dos anos 20. Inteligente, leve, encantador, delicioso de se assistir, o filme ainda mostra a capacidade do cineasta de mergulhar na nostalgia para tirar o positivo do presente.

No papel recorrente do próprio Allen, como seu alter ego, agora está Owen Wilson. Ele vive Gil, roteirista de Hollywood que visita Paris com a noiva, Inez (Rachel McAdams), e os sogros. Escritor frustrado preso a um trabalho que considera medíocre, Gil, a exemplo de outros intelectuais americanos, sonha com a Paris dos anos 20, quando a capital francesa era o paraíso de “todos” os artistas. E vê a Cidade Luz como o lugar ideal para sua criatividade desabrochar. Isso acontece quando ele é transportado para os anos 20 por um portal de contos de fadas; o badalar dos sinos de Notre Dame a meia noite. Ele acabara de passar por uma sessão de degustação de vinho, está meio bêbado e acha normal pegar carona em um carro antigo, que literalmente o leva a uma viagem no tempo.

Como a gente conhece as neuroses de Allen e sua maestria, os delírios do protagonista parecem perfeitamente naturais. Ele circula com desenvoltura entre dois núcleos, o real do século 21 e o fantástico dos fervidos anos 20. Em suas escapadas pelas noites de Paris ele é levado ao encontro de figuras como Cole Porter, Scott Fitzgerald, Ernest Hemingway, Gertrude Stein, Salvador Dalí, Luis Buñuel, Pablo Picasso e T.S. Eliot, entre outros tantos nomes que ajudaram a escrever a história do século 20 na música, na literatura, nas artes plásticas e no cinema.

Nos anos 20 Gil não somente tem a chance de interagir com a escritora americana Gertrude Stein como o privilégio de tê-la avaliando seu trabalho, recebendo conselhos tão bons quanto os que Stein dava ao jovem Picasso, que, segundo ela, era bom, mas não tão bom quanto Matisse e estava longe de um Miró (nas palavras de Hemingway). Com Ernest Hemingway ele toma absinto e ouve os célebres e impulsivos discursos sobre a inveja que os escritores têm um dos outros. Quando Gil entrega o manuscrito de seu livro para Hemingway, pedindo para que este o leia, o autor de Adeus às Armas responde de forma hilária e genial: “Não vou ler. Se for ruim, vou detestar. Se for bom, vou ficar com inveja e detestarei ainda mais”.

É na casa de Stein que ele conhece uma bela francesa por quem se apaixona: Adriana (Marion Cottilard, Oscar de melhor atriz pelo filme Piaf), seguidora da estilista Coco Chanel e amante de Pablo Picasso, depois de passar pelas mãos de Braque e Modigliani. Como Gil, Adriana acha que nasceu na época errada e nutre obsessão pela Belle Époque, que considera a verdadeira era de ouro de Paris.

Outro grande momento do filme é a divertida conversa de Gil com o fotógrafo Man Ray, o cineasta Luis Buñuel e o pintor Salvador Dalí, figuras conhecidas do surrealismo. Aliás, a cena mais memorável de Meia noite em Paris fica por conta do encontro de Gil com Luis Buñuel em uma festa. Gil sugere que rode um filme sobre um grupo de burgueses que, após o jantar, não consegue abandonar a mansão e, aos poucos, vão perdendo o verniz de civilidade. O coitado só entenderia o conselho de Gil em 1962, quando usou o argumento para filmar o hoje clássico O Anjo Exterminador.

Acostumado a fazer filmes curtos, Allen acaba prejudicando Meia noite em Paris ao usar os personagens célebres dos anos 20 – T. S. Elliot, Cole Porter e mesmo Scott e Zelda Frtizgerard – como meros coadjuvantes. Na maioria das vezes eles entram em cena apenas para ilustrar uma piada rápida de Allen - como quando ele oferece um valium para uma Zelda Scott prestes a cometer suicídio. Allen explora mais a fundo a relação de Gil com Hemingway e Gertrude Stein. Nas conversas dos dois escritores fica a constatação de como a humanidade foi transformada pelo século 20: do falastrão, resolvido e confiante Ernest - na verdade, um beberrão- ao inseguro, frágil e problemático Gil. Hemingway, um ex-combatente de guerra, não entende por que Gil cultiva um constante medo da morte. Ou por que simplesmente não se autodenomina “o melhor escritor do mundo”, ao invés de ter vergonha até mesmo de mostrar seu livro para os outros. E de Stein recebe conselhos que vão nortear sua vida em 2010.

Depois, passeando pelo passado, de braços dados com Adriana Gil tem um insight. Todo mundo acha sua época ruim. Gil sonha com os anos 20, Adriana com a Belle Époque e Paul Gauguin queria ter vivido na era renascentista. Não seria melhor viver o presente? Que tal exaltar o passado, mas sem desqualificar o presente? Por que viver um passado que nunca se teve e esquecer o presente que está passando por nós? Allen mostra ao espectador, de forma carinhosa, as pequenas incoerências do ser humano, que não encontra a felicidade aqui, mas também não encontra lá. É preciso, sugere Allen, para que isso aconteça, dar-se conta de que passado e presente não são, necessariamente, excludentes. O passado nunca vai embora de todo. E no filme isso acontece com a personagem da vendedora de antiguidades com quem Paul finalmente descobre o encanto de caminhar pelas ruas de Paris sob a chuva. Com ela, Gil certamente poderá concluir que todas as épocas são de ouro em Paris.

Saí da sala de cinema com enorme vontade de rever The Moderns, de Alan Rudolph, e de reler Autobiografia de Alice B. Toklas, que curiosamente foi escrita não por Toklas, mas por sua companheira Gertrude Stein. Felizmente tenho os dois. O filme de Rudolph em uma antiga e ainda funcional fita em VHS (não, não me desfiz do antigo videocassete em plena era do blue ray) e o livro em uma edição de bolso lançada pela L&PM Pocket.

O livro Gertrude Stein é um dos mais preciosos documentos sobre os criadores da arte e da literatura moderna. Os elogios não são poucos frente ao cenário grandioso da obra – a Paris do início do século 20 – e à sala de visitas de Gertrude Stein, o lendário número 27 da Rue de Fleurus, onde reunia amigos como Picasso, Matisse, Hemingway, Jean Cocteau e Scott Fitzgerald, todos ainda jovens e desconhecidos, em informais encontros e frequentes festas. Seus convidados podiam também admirar uma das maiores coleções de arte do século passado, que incluía o retrato da anfitriã pintado por Picasso. Aliás, o retrato aparece na sala de Stein no filme de Allen.

Já o filme que Alan Rudolph realizou em 1988 se destaca pelo elenco maravilhoso que inclui Keith Carradine, Linda Fiorentino, Genevieve Bujold, Geraldine Chaplin, Shawn Wallace, Kevin O'Connor e John Lone . A ação do filme se passa justamente na Paris dos anos 20 e conta uma história que tem relevância para o século 21, com sua visão sobre a vida urbana, amoralidade, poder, política, sexo, cobiça, e da arte como mercadoria. Keith Carradine é Nick Hart, um aspirante a artista que falsifica um Matisse, um Cézanne, Modigliani e se envolve com a ex-mulher, vivida por Linda Fiorentino. Hart e seus colegas personagens são retratados como tendo uma conexão de periféricos com círculo interno de Gertrude Stein, um círculo que inclui Ernest Hemingway e tantos outros personagens do filme de Allen.