quarta-feira, 25 de março de 2009

O implacável Walt Kowalski








O protagonista de Gran Torino é mais um personagem profundo criado por Clint para questionar os valores da vida frente às adversidades





A estante de Clint Eastwood está abarrotada de prêmios, entre eles, quatro estatuetas douradas, de melhor filme e diretor para Os Imperdoáveis, em 1992, e as mesmas categorias para Menina de Ouro, em 2005. Um espaço, porém, parece destinado a permanecer vago: aquele reservado ao Oscar de melhor ator. Com 78 anos de idade, 52 deles dedicados à carreira, o veterano avisou que sua atuação em Gran Torino, em cartaz em circuito nacional, será sua última participação no cinema como ator. Mas o ator que completa 80 anos em maio, está longe de se aposentar. Atualmente está no set filmando a cinebiografia do escritor Mark Twain.




Os anos passam e, invariavelmente, o ator, diretor e produ­tor – ou seja, autor de cinema - continua impressionando. Em Gran Torino, ele o faz oferecendo ao público o trabalho de um autor que não apenas narra bem e levemente, mas registra o tema do envelhecimento de forma totalmente coerente com a sua própria trajetória. Ele dá a sua cara a esse tema, da mesma forma que o fizera em Os imperdoáveis (1992), em Cowboys do Espaço (1999) e até mesmo em Menina de Ouro, de 2004.
Clint decidiu finalizar o arco de suas atuações como Walter Kowalski,um veterano da Guerra da Coreia que acabou de perder a esposa depois de um longo casamento. Ele não se dá com os filhos e muito menos com as noras. Mora num bairro agora habitado por imigrantes. Ele próprio é um americano violento, meio racista que , hasteia a bandeira na porta da casa, foi à guerra da Coréia, trabalhou para a Ford durante 50 anos e condena o filho por vender carros japoneses. O velho rabugento detesta ver sua vizinhança tomada por asiáticos, no caso, integrantes da comunidade Hmong (grupo étnico de imigrantes originário de uma região próxima ao Vietnã e ao Laos), povo que os EUA herdaram depois da Guerra do Vietnã. Walt desconhece noções de correção política e guarda ainda memórias duras da Guerra da Coréia, onde lutou muito jovem e parece uma versão madura do politicamente incorreto Dirty Harry, policial durão que fez a fama de Eastwood nos anos 70 em filmes como Perseguidor Implacável e Dirty Harry na Lista Negra. Ranzinza, preconceituoso, machista, Walter passa seus dias sentado na frente de casa vendo o movimento da rua, tomando cerveja em grandes quantidades e xingando seus vizinhos. Sua única paixão está na garagem. Um carro de 1972 sempre limpo, bem lustrado, mecânica perfeita. O Ford Gran Torino de Walt Kowalski é o último resquício de uma época que não existe mais, em que os Estados Unidos eram um país próspero, com uma forte indústria automobilística e sem imigrantes espalhados por todos os cantos. Um tempo de que Walt Kowalski sente saudades.




A vida de Walter começa a mudar quando ele se envolve com seus novos vizinhos depois que Thao (Bee Vang), garoto adolescente é levado a tentar roubar o Gran Torino pressionado por uma gangue de jovens Hmong que querem tomá-lo para o mau caminho. Kowalski flagra o moleque e de espingarda em punho o põe para correr, fato que não agrada a gangue, que insiste que Thao cumpra a missão. É quando Walt enfrenta sozinho a gangue que aterroriza o bairro. Resultado: o ranzinza americano passa a ser visto pela vizinhança como herói. Famílias Hmong vêm de todos os cantos para agredecê-lo não apenas por ter salvo o menino da influência dos bandidos, mas para homenageá-lo. E Walt não consegue se livrar dos vizinhos que aprentemente odeia, principalmente Thao. Como penitência e ao mesmo tempo um pedido de desculpas, a família de Thao o obriga a trabalhar para Kowalski, em serviços domésticos ou naquilo que o solitário homem precisar. Não se sabe se o castigo é para Thao ou para o velho militar.




Os embates entre e Walt e a gangue asiática que não se conforma com o bom comportamento de Thao formam os momentos mais Dirty Harry do filme e provam que Clint Eastwood sabe manipular a imagem da forma que deseja. Ele sabe que, quando o espectador o vê de cara fechada, com ódio mesmo, tende a se lembrar do personagem dos anos 70. Walt não leva desaforo para casa, e consegue impor sua moral, mesmo tendo quase 80 anos, com o grupo de jovens inconseqüentes. Gran Torino fica nesse meio: ao mesmo tempo em que mostra um Walt sem medo de tirar sangue dos outros, também é um retrato do racismo, já que em ele
nunca esconde seu desprezo pelos vizinhos. Isso, claro, até Thao começar a cativá-lo. É uma evolução interessante. Walt baixa a guarda, supera a própria resistência e o preconceito, e se aproxima dos vizinhos, criando laços de amizade e percebendo que tem com eles mais identificações do que com os próprios filhos.




A improvável amizade entre Thao e Walter remete o velho à figura paternal de Menina de Ouro, lembrando ainda o forasteiro que se torna defensor de uma comunidade em O Cavaleiro Solitário, que o diretor realizou em 1985. É a amizade que faz com que Walter reveja seus seus conceitos e perceba como as relações afetivas são muito mais calorosas do que o ronco de um motor. E com a ajuda da irmã mais velha de Thao, Sue (Ahney Her), há uma engraçada aproximação do velho racista americano com os seus vizinhos, obstáculos que começam a ser superados não só através de conversas muito humanas, comida e cerveja.






Em tempo: Fabricado pela Ford entre 1968 e 1976, o GranTorino é considerado um intermediário entre o Fairlane, carro dos anos 60, e o Mustang, que o substituiu na década seguinte. O design esportivo e o pouco tempo em que foi comercializado são responsáveis pelo culto ao modelo nos EUA.



Gran Torino (2008), 116 min.
Direção: Clint Eastwood
Roteiro: Nick Schenk, Dave Johannson
Elenco:Com: Clint Eastwood, Christopher Carley, Bee Vang, Ahney Her, Brian Haley, Geraldine Hughes, Dreama Walker

sábado, 7 de março de 2009

Entre a culpa e os limites do perdão
















Uma reflexão filosófica sobre a lei versus a moral, uma equação sobre a abrangência da culpa e os limites do perdão, um questionamento sobre o nazismo, a culpa coletiva e banalidade do mal. Estas são algumas das questões abordadas pelo filme O Leitor, de Stephen Daldry,em cartaz em Goiânia desde sexta-feira ( 6 de março). A produção inglesa que deu a Kate Winslet o Oscar de Melhor Atriz, é baseada no famoso livro best seller de mesmo nome ( lançado no Brasil pela editora Record) e parte do princípio de que pequenas ações podem mudar totalmente a vida das pessoas e o destino de quem está a sua volta.





A primeira vista, a trama conta uma história de amor, que dura apenas um verão, entre o adolescente de 15 anos Michael Berg (vivido quando jovem por David Kross e já na fase adulta por Ralph Fiennes) e a misteriosa Hanna Schmitz (interpretada brilhantemente por Kate Winslet), um mulher solteira de 35 anos que trabalha como cobradora de passagem de bondinhos, na Alemanha pós 2ª Guerra Mundial. Hanna inicia o garoto ( ela nunca diz seu nome) no sexo com particular desvelo. As sessões de sexo são intercaladas de leituras de grandes clássicos que ela insiste que o garoto leia em voz alta. Horácio, Homero, Tolstói, Tchékhov, Schiller. Um dia a mulher desaparece sem deixar rastros. Michael vai reencontrá-la oito anos mais tarde: ele como estudante de direito; ela no banco dos réus. Na Siemens, era uma das encarregadas de selecionar mulheres para o campo de concentração e a morte.




Quem conhece a trajetória do diretor Stephen Daldry sabe o que esperar de O Leitor. O cineasta britânico é um especialista em dramas vigorosos em que suas personagens são levadas a situações-limite. Foi assim com Billy Elliot e As Horas, que deu o Oscar de melhor atriz a Nicole Kidman. Seguindo a cartilha de Daldry, Michael, levado a assistir o julgamento de criminosos nazistas, tem de enfrentar seus valores, seu modo de encarar as leis, o seu próprio sentimento e a moralidade.





É nesta parte do filme que aparece o questionamento: quanto custa um segredo? Ou melhor, quanto vale a verdade? Pequenas ações e palavras podem mudar totalmente as nossas vidas e o destino de todos que estão a nossa volta. Hannah tem seus motivos para guardar um segredo que, senão a livraria da culpa pelos crimes pelos quais esta sendo julgada, pelo menos minimizaria a pena. É nesse contexto da vergonha e do segredo que duas vidas se modificam. Trazendo a trama para o cotidiano da vida real, quantas vezes uma atitude sem pensar, uma mentira ou até mesmo uma omissão podem mudar não só a sua vida, mas a vida das outras pessoas. É em torno desse dilema ético que Stephen Daldry consegue transformar O Leitor numa em um filme plural: um romance sobre um grande amor proibido, um drama de tribunal que investiga os limites da Justiça, um novo olhar sobre as culpas pela guerra, um estudo sobre como a personalidade dos culpados interfere na história.





E o público, que conhece o segredo de Hannah, se surpreende com a frieza com que ela interage com os problemas. Ela é prática e racional: "Os mortos já estão mortos. O que sinto ou deixo de sentir não os trará de volta". Ela sabia o que fazia? “Sim”. E por que o fazia? “Porque era o meu dever”. Ou ainda: “Porque novas mulheres chegavam, e não havia lugar para todas”. E pergunta ao juiz:” O que o senhor teria feito em meu lugar?”





Michael assiste aos depoimentos com a alma devastada. Ao mesmo tempo, no curso de direito, um professor indaga se países são governados pela moral ou pelas leis. É a culpa coletiva e a banalidade do mal. Os responsáveis pelos genocídios nos campos de concentração tem mesmo culpa? E o professor questiona não a culpa moral, mas a culpa legislativa – como professo de Direito que é. Durante a guerra, a Alemanha aceitava o genocídio dentro de suas normas legislativas. O que acontecia, segundo o professor, era simplesmente o cumprimento da lei. E se alguém tinha de ser condenado, deveria ser os responsáveis pela promulgação da lei.




Deixando a história de O Leitor de lado, partimos para a análise do filme. Em primeiro lugar, a produção demostra, mais uma vez, que Stephen Daldry é um excelente diretor de intérpretes, capaz de trabalhar, com a mesma intensidade, com estrela de primeira grandeza como Kate Winslet e um ator iniciante como David Kroos, que interpreta o jovem Michael. Kross exibe uma excepcional interpretação, ajudando na construção do jovem e do universitário Michael, sabendo compreender o personagem e dosar cada situação emocional do personagem.





Kate Winslet confirma, uma vez mais, ser uma atriz de completo domínio da técnica de interpretar, da mesma forma que pode ser conferida em Foi Apenas um Sonho, de Sam Mendes. Aqui ela encarna a complexa personagem com muita determinação e vigor, fazendo com que o destaque de sua caracterização se posicione principalmente na maneira de Hannah caminhar, como se lhe pesasse o fardo da vida. Ralph Fiennes, Bruno Ganz e Lena Olin, como sempre, estão perfeitos em suas atuações.




Serviço
O Leitor ((The Reader)
Origem: EUA/2008
Direção de Stephen Daldry.
Elenco: Kate Winslet, Ralph Fiennes, Bruno Ganz.
Censura: 16 anos.
Cotação: ****1/2